Ficha do Proponente
Proponente
- BRUNA MARTINS NOBREGA ARAUJO DIAS (UFPB)
Minicurrículo
- Bruna Dias nasceu em Pombal (1989), sertão da Paraíba. Faz mestrado em Letras pela UFPB, especialização em Escrita Criativa pela UNIESP. É arte educadora, artista visual, roteirista, fotógrafa, escritora e artesã. Pesquisa sobre relações étnico raciais e de gênero nas artes e na sociedade brasileira.
Atua/estuda/aprende/transforma nas artes desde 2017.
Lançou seu primeiro curta, ‘Sobre voos renascidos’, em 2024, e irá lançar esse ano, junto com a realizadora Carine Fiuza, ‘Um oceano inteiro’.
Ficha do Trabalho
Título
- Poesia e subjetividade negras no filme ‘O dia que te conheci’, de André Novais
Eixo Temático
- ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS
Resumo
- Este artigo se propõe a fazer uma análise do filme “O dia que te conheci”, do cineasta Andre Novais, refletindo sobre a importância de produções onde pessoas negras são realizadoras e protagonistas de suas próprias histórias. Discorreremos sobre como a representatividade de narrativas negras no cinema ganha outros contornos na medida em que estes personagens passam a se libertar de antigas amarras que aprisionavam sua existência, através da enunciação, da resistência e do empoderamento.
Resumo expandido
- É sabido que a cultura e a arte detém grande influência para a construção do imaginário social, bem como no reforço das relações de poder. Nisso, compreendemos que a literatura, o cinema, a fotografia, dentre outras expressões artísticas, funcionam como um mediadores culturais, visto que revelam e influenciam nos comportamentos, além de também reforçar os sensos de pertencimento, identidade, reconhecimento, bem como, os preconceitos, estereótipos e exclusões.
Pensando nisso, lembro que, como criança nos anos 90, o que eu assistia na televisão era uma experiencia onde eu não via corpos, narrativas ou a beleza negra sendo exaltadas ou apresentadas como algo positivo. Longe disso, quando muito apareciam, era de maneira subalternizada ou estereotipada, o que reforçava em mim a ideia de que o lugar da feitura ou usufruto da arte não era para pessoas como eu, visto que nossa imagem e subjetividade era sempre representadas como algo negativo. A respeito disso, embora que com enfoque na experiência e representação do negro na mídia televisiva, Nascimento (2022, p. 43), diz que:
“O “preto” veiculado pela TV não é uma realidade histórica, social e individual que corresponde à vivência de todos os componentes do grupo étnico […]. São conceitos, ou melhor, pré-conceitos: tolo, dócil, servil, ignorante, medroso, fala errado.”
Hoje percebo a importância das produções artísticas e culturais que apresentam narrativas diferentes das tradicionais, abrindo espaço para construções antirracistas, pós-coloniais e decoloniais. A importância das narrativas elaboradas e enunciadas pela população negra se torna ainda mais evidente. Essa construção permite a nós, pessoas negras, que retomemos nossas histórias, valores e expressões culturais, dando visibilidade às nossas experiências, conquistas e lutas, que muitas vezes foram silenciadas ao longo da história.
Refletir sobre a presença negra no cinema brasileiro é compreender que, por meio da construção de imagens e narrativas contra-hegemônicas sobre as populações negras do país, surge a possibilidade de romper com os estereótipos que historicamente foram impostos pela indústria cinematográfica tradicional. Dessa forma, ele se torna um instrumento poderoso para a construção de novas possibilidades de vida, resgatando a complexidade e a riqueza das vivências negras e promovendo um movimento de transformação nas percepções sociais e culturais.
A ficção como instrumento para a reinvenção de realidades negras é claramente representada no trabalho do cineasta André Novais, que nasceu na periferia de Contagem (MG), e é diretor, produtor e roteirista. Dentre os filmes que dirigiu, podemos citar Uma Homenagem a Aluízio Netto (2004), Fantasmas (2010), Pouco Mais de um Mês (2013), Ela Volta na Quinta (2014), Quintal (2015), Temporada (2018), e O Dia Que Te Conheci (2024), sendo este último o que discutiremos a seguir.
Na trama, que é uma comédia romântica, o protagonista Zeca (Renato Novaes) é bibliotecário de uma escola na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e sofre diariamente para acordar cedo e cumprir o trajeto de 1h30 para chegar ao trabalho com seu horário de trabalho. Sua rotina muda quando ele descobre, através de Luísa (Grace Passô), que será demitido, e apesar de trabalharem na mesma escola, somente ali eles dois se conhecem. Apesar do motivo delicado deste primeiro contato, Luísa oferece carona a Zeca, e a partir daí eles podem conversar, dividir experiências de vida, afetos, e interesse mútuo um pelo outro.
Através de uma construção de narrativa que se desenrola e considera os imprevistos de uma vida real, poder ver um filme protagonizado por duas pessoas negras, com seus atravessamentos e delicadezas, nos faz pensar no quão pode ser transformador e revolucionário acessar histórias onde a população negra não esteja sendo estereotipada, ridicularizada ou exposta a todo tipo de violências e empobrecimento de possibilidades de vida.
Bibliografia
- FANON, Frantz. Pele Negra Máscaras Brancas. Tradução de Renato da Silveira. – Salvador: EDUFBA, 2008.
FREITAS, K., & MESSIAS, J. O futuro será negro ou não será: Afrofuturismo versus Afropessimismo – as distopias do presente. Imagofagia, (17), 402–424, 2021.
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afrolatinoamericano. São Paulo: UFMG, 2020.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Editora Cobogó, 2020.
LIMA, Diane. “Negros na piscina: arte contemporânea, curadoria e educação”. São Paulo: Fósforo, 2023
NASCIMENTO, Beatriz. O NEGRO VISTO POR ELE MESMO, ENSAIOS, ENTREVISTAS E PROSA. Editora UBU, 2022.
RODRIGUES, José Carlos . O negro brasileiro e o cinema. Rio de Janeiro: Pallas,2001
ZENUN, Maíra. Cinema Negro: sobre uma categoria de análise para a sociologia das relações
raciais.