Ficha do Proponente
Proponente
- ALESSANDRO RICARDO PINTO CAMPOS (UFPA)
Minicurrículo
- Antropólogo, produtor executivo e realizador audiovisual. Coordenador adjunto do Grupo de Pesquisa em Antropologia Visual e da Imagem VISAGEM – UFPA/Brasil, coordena o Festival Internacional do Filme Etnográfico do Pará, Colóquio de Cinema e Antropologia da Amazônia e Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica; orientador do Curso de Verão em 2018/2019 do MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço, membro do Comitê de Antropologia Visual/ABA, com vários filmes premiados.
Ficha do Trabalho
Título
- O Filme Etnográfico e o desafio de mostrar o “outro’: experiências de um caso concreto
Mesa
- Autoria e alteridade no documentário: experiências com etnografias fílmicas e acervos audiovisuais
Resumo
- Esta comunicação trata da realização de um filme- pensado a partir da ‘Antropologia Compartilhada’ criada por Jean Rouch – como um dos resultados de minha pesquisa de mestrado (que tratou da ‘vida social’ de tambores que fazem parte da Coleção Etnográfica/UFPA). O filme mostra o nascimento de um tambor, desde sua fabricação até seu batizado em um ritual complexo e delicado, se transforma em uma entidade sagrada. inquietações como: como o outo foi mostrado? Quais negociações foram feitas?
Resumo expandido
- O filme “Um tambor pra Mata”, finalizado em 2018 com duração de 37 minutos, conta a história do nascimento de um Tambor para religião Tambor de Mina Nagô no Pará. Podemos dizer que o filme possui dois momentos que se mesclam: quando ele surge na oficina entre soldagem de ferros, marteladas e couro. É quando ele ainda não possui qualquer sentido religioso, é apenas um instrumento musical, é montado e surge no mundo “físico” ou “profano”. Estas imagens foram feitas em 2014 e fizeram parte da minha pesquisa de mestrado, onde mergulho em algumas peças da
Já em 2017, anos após estas primeiras filmagens, finalmente consigo contato com Mãe Telma, do Terreiro Tereza Légua. Explico que quero finalizar o filme etnográfico que havia começado, para tanto preciso registrar o batizado do meu Tambor que seria doado, instrumento mais importante da orquestra ritual, e todo o processo que o transformaria em uma entidade que merece respeito e reverencia, quando ele se torna sagrado e vai ocupar seu lugar no espaço ritual só dele, é ele que chama e manda de volta os Encantados, Voduns e Orixás. Dias depois, após consultar os Donos da Casa no jogo de Búzios, somos autorizados a filmar, mas com restrições e muito respeito: alguns dos acontecimentos do ritual não seriam filmados e eu, enquanto padrinho do tambor, não poderia relatar algumas etapas que presenciaria.
A produção se inicia, sempre em consonância com as orientações rígidas de mãe Telma, cada take, cada fala, e após algumas semanas finalizamos tudo e o Tambor agora faz parte da Casa de Mãe Telma.
Meses depois, o primeiro corte é finalizado e a exibição é feita no barracão do Terreiro. Todos os filhos e filhas-de-santo de Mãe Telma estão presentes assistem e depois iniciamos as discussões acerca do que foi exibido: minutos de cenas devem ser deletados, nomes citados devem sumir e takes deixados de lado devem, obrigatoriamente fazer parte do filme. Semanas depois mais uma reunião/exibição, , gerando feedback e reinterpretações. Mais cortes e mais detalhes são acertados numa longa noite de alegria e celebração. Na terceira versão do filme, exibido no barracão, é quando finalmente tenho autorização para “mostrar o filme para o mundo”. Cada frame está de acordo com os donos das imagens, com quem fez o filme acontecer, com os detentores de cada conhecimento ancestral que torna o filme o que acredito que seja: uma experiencia concreta do que Jean Rouch chama de antropologia compartilhada.
Jean Rouch (1917-2004) foi um antropólogo, etnólogo e cineasta francês que teve um impacto revolucionário tanto em Antropologia, como em Cinema Documental. Podemos entender a Antropologia Compartilhada a partir do que Jean Rouch produziu e escreveu como uma firme crítica ao colonialismo intelectual do Cinema e da Antropologia Clássica. Segundo ele, o antropólogo filmador/cineasta antropólogo deve lutar para romper com a distância hierárquica, onde o pesquisador/cineasta não é um observador externo, mas um mediador que divide a autoria com os sujeitos filmados/estudados, ou seja, a intenção basilar deve ser fazer um filme “com as pessoas” e não “sobre as pessoas”.
A definição de Bill Nichols vem a concordar com essa ideia quando ele afirma que o filme documentário é um recorte da realidade feito a partir de um olhar, de uma perspectiva, daí a importância de para onde e para quem e para qual se olha, se filma, criando diálogos Interculturais que seriam a base desse tipo de produção, permitindo o tempo todo a participação ativa dos sujeitos, envolvendo a comunidade na edição e própria narrativa do filme que fizemos juntos. Portanto, pude ter uma reflexividade, pois minha própria presença está em cena em todo filme, em muitas cenas, afinal, era eu o padrinho do Tambor, participei de todo ritual, compartilhando sabedoria e segredos, experiencias que jamais sairão de mim.
Bibliografia
- MACDOUGALL, David. Transcultural Cinema. Princeton University Press, 1998.
MORIN, Edgar; ROUCH, Jean. Chronique d’un été (filme e textos complementares). Argo Films, 1961.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, São Paulo: Papirus, 2005.
ROUCH, Jean. A Câmera e os Homens. In: Ciné-Ethnography (org. Steven Feld). University of Minnesota Press, 2003.