Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Erly Milton Vieira Junior (UFES)

Minicurrículo

    Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ (2012), com estágio pós-doutoral em Cinema e Audiovisual (PPGCINE-UFF, 2020), é Professor Associado no Departamento de Comunicação Social da UFES. Coordena o grupo de pesquisa Comunicação, Imagem e Afeto (CIA-UFES). É autor de Realismo sensório no cinema contemporâneo (2020) , entre outros. Desde 2012, atua como curador audiovisual, em 2024, lançou seu primeiro longa-metragem: o documentário “Presença”, exibido em festivais nacionais e internacionais.

Ficha do Trabalho

Título

    Investigando sensorialidades cuir no audiovisual brasileiro dos anos 1970 e 1980

Resumo

    Entendendo as sensorialidades cuir como experiências derivadas de modos de engajamento sensório que conectam intimamente corpos filmados e espectatoriais LGBTQIAPN+, busca-se aqui investigar suas possibilidades num contexto audiovisual brasileiro anterior às imagens hápticas e câmeras-corpo contemporâneas. Serão abordados filmes como Onda nova, A mulher que inventou o amor e Anjos da noite, além de videoclipes e vídeos experimentais, para mapear os modos de engajamento recorrentes no período.

Resumo expandido

    Parte-se aqui da compreensão que as obras audiovisuais cuir contemporâneas fazem usos de alguns modos de engajamento sensório (ou seja, usos específicos da linguagem audiovisual e da mise-en-scène para promover determinadas experiências sensórias) para promover a conexão entre corpos filmados, fílmicos e espectatoriais junto a audiências LGBTQIAPN+. Isso se dá especialmente a partir da reativação, em momentos específicos dos filmes, de memórias sensórias atreladas a situações vividas cotidianamente por esses públicos. Alguns desses modos de engajamento, como a visualidade e escuta hápticas e as câmeras-corpo, são recorrentes no cinema contemporâneo como um todo, mas quando associados a contextos cuirizados/desidentificados, com relações de espacialidade (Ahmed) e temporalidade (Freeman) para além da heteronorma, ativam um tipo de experiência que ressoa intensamente, à flor da pele, em nossos corpos: as “sensorialidades cuir/queer”.

    Embora muitos desses modos de engajamento sejam decorrentes das tecnologias contemporâneas, as pessoas LGBTQIAPN+ que nos antecederam também se sentiam tocadas intensamente por suas obras audiovisuais favoritas, constituindo assim suas próprias partilhas de intimidade com o corpo fílmico. Ao experimentarmos tais obras nos dias de hoje, percebemos haver outras formas de se constituir a mise-en-scêne ou de se promover torções específicas na linguagem, no tempo e espaço fílmicos para produzir regimes sensórios intensos, fascinantes e desviantes.

    Isso inclui, por exemplo, a adoção de pontos de vista e escuta narrativos cuirizados, como na cena da pegação no parque em A mulher que inventou o amor (Jean Garrett, 1980), ou mesmo em outros momentos do roteiro assinado por João Silvério Trevisan, permitindo aproximações entre certas ações da protagonista Tallulah e as experiências cotidianas de espectadores gays da época. Inclui ainda as coreografias corporais nas cenas de flerte, sexo, dança e prática de esportes envolvendo as jogadoras do time de futebol Gayvotas, protagonistas de Onda Nova (Ícaro Martins e José Antonio Garcia, 1983), numa visão de gênero e sexualidade bem mais atrevida que o cinema nacional da época.

    Também se encontra na teatralidade desidentificada que dá o tom da mise-en-scène de Anjos da noite (Wilson Barros, 1988), mesclando um ethos artificialista tão presente nos pós-modernos anos 80 quanto na tradição camp. Ou ainda, na câmera ora comedida, ora vertiginosa, que conduz os videoensaios de Rafael França, bem como na corporeidade com que a câmera de vídeo desliza pelos círculos feministas e lésbicos da vivência de exílio de Rita Moreira e Norma Bahia Pontes, ou mesmo mergulhar nas inflexões desejantes com que Djalma Limongi Batista filma o futebol em Asa Branca, desvelando outras indizíveis paixões nacionais. E também está presente na forma Ney Matogrosso, Marina Lima e Laura FInocchiaro colocavam-se em cena em seus videoclipes (ou filmes) como atos performáticos e coreográficos que traduziam, sob outros registros corpóreos e desejantes, as emergentes sensibilidades LGBTs do período.

    Com essa constelação, composta por obras audiovisuais endereçadas majoritariamente ao público LGBTQIAPN+ brasileiro dos anos 1970 e 1980, busca-se aqui identificar que modos de engajamento sensório são mais recorrentes no período, bem como as partilhas de intimidade junto a pessoas e coletividades cuir. Talvez não se possa falar num cinema queer/cuir brasileiro propriamente dito, já que boa parte dessas obras não foram dirigidas por pessoas LGBTQIAPN+; porém, elas nos permitem vislumbrar como suas audiências realizavam seu queercoding, evidenciando que muitos dos elementos que hoje lemos como cuirizados partiram de contribuições de pessoas não-heterossexuais nas equipes dos filmes, como profissionais de arte, roteiro e, principalmente, elenco, a partir dos gestos, poses e coreografias que afloram nos corpos em cena, redimensionando as relações entre corpos, câmeras, espaços e temporalidades.

Bibliografia

    AHMED, Sara. Queer Phenomenology: orientations, objects, others. Durham/London: Duke University Press, 2006.
    BALTAR, Mariana. Femininos em tensão: da pedagogia sociocultural a uma pedagogia dos desejos.In: MURARI, Lucas; NAGIME, Mateus. New queer cinema: cinema, sexualidade e política.Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2015
    FREEMAN, Elizabeth. Time binds: Queer temporalities, queer histories. Durham/London: Duke University Press, 2010.
    MUÑOZ, José Esteban. Disidentifications: Queers of color and the performance of the politics. MInneapolis: University of Minnesota Press, 1999.
    QUINLIVAN, Davina. On how queer cinema might feel. Music, Sound and the Moving Image, Liver-pool, v. 9, n. 1, p. 6377, 2015.
    SOBCHACK, Vivian Carol. Carnal thoughts: embodiment and moving image culture. Berkeley: University of California Press, 2004.
    VIEIRA JR, Erly. “Sensorialidades queer no cinema contemporàneo”. In: Contemporânea, n.16, v.1, 2018.