Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Ana Clara Silva Mattoso (UFRJ)

Minicurrículo

    Ana Clara Mattoso é pesquisadora em cinema, roteirista, escritora e artista visual. Doutoranda em Comunicação e Cultura pelo PPGCOM-UFRJ com mestrado em Estudos Contemporâneos das Artes pelo PPGCA-UFF. Sua pesquisa está situada nos estudos da crítica ecológica, investigando um cinema contemporâneo produzido em terras fronteiriças na América Latina. Lançou seu primeiro livro de ficção especulativa em 2023, além de publicar ensaios, prefácios e artigos em diversos meios de comunicação.

Ficha do Trabalho

Título

    Fronteiras e suas imagens-ruínas: Los Silencios e o cinema especulativo latino-americano

Seminário

    Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas

Resumo

    Poderia a palavra yanomami urihi a ativar uma outra episteme para se pensar um cinema especulativo em solos latino-americanos? Enquanto a distopia extrativista molda as produções hegemônicas, Los Silencios, filme de Beatriz Seigner, realizado na tríplice fronteira entre Colômbia, Peru e Brasil, recorre a estratégias diferentes para endereçar as disputas sobre a terra. Além de situá-las, busco, a partir da análise da obra, desvelar também outros desarranjos ao regime de visualidade moderno.

Resumo expandido

    Existe uma palavra na língua yanomami chamada urihi a, que, entre as possíveis aproximações e traduções, poderia ser relacionada a um entendimento de “natureza” que não se limita a uma área geográfica, tampouco existe apenas como oposição à urbe, exterior à sociedade ou ao mundo habitado por humanos (Kopenawa & Albert, 2023). Para os yanomami, diferentemente da compreensão ocidental antropocêntrica que costuma situar a natureza como um campo de recursos apto a ser controlado, urihi a é também “terra-floresta”. Um aglomerado multiespécies polifônico (Tsing, 2019) que aponta para a vasta superfície vegetal que cobre o solo da floresta, assim como denota uma noção de criação de mundo local, com seus modos específicos de habitar e coexistir às fronteiras sempre móveis de uma região (Touam Bona, 2020).
    É diante do colapso climático e da incessante produção de ruínas à espreita de toda sua devastação, que urihi a emerge convocando-nos a acionar outros pensares para lidar com as problemáticas contemporâneas e suas categorias inertes. Criadas e narradas pelos herdeiros da modernidade, as cisões — entre elas, Natureza e Cultura — com as quais nos acostumamos a pensar o mundo, parecem não ser suficientes para abarcar a urgência de nos adaptarmos a um planeta em transição. Nesse sentido, faz-se necessário especular junto aos saberes que já existem e a outros ainda porvir, epistemes diferentes para fomentar mundos mais comprometidos com a criação de espaços-entre; campos de potência que nos desestruturam e nos desalinham para mover o centro de lugar.
    É aí que um determinado cinema contemporâneo produzido em terras fronteiriças latino-americanas passa a emergir como operador de disputa sobre as sensorialidades e narrativas que compõem o imaginário de seus espectadores. Aqui, desejo partir, mais especificamente, da análise do filme Los Silencios (2017), de Beatriz Seigner, para investigar como recursos técnicos e narrativos, visuais e sonoros, podem conjurar espectros que evoquem a fantasmagoria inerente a um território vivo, borrando assim a compreensão antropocêntrica sobre as nossas fronteiras, e os outros seres que nela habitam.
    No que tange ao filme de Seigner, busca-se não apenas analisar de que modo ele se aproxima de urihi a em sua forma, mas também como pode operar enquanto uma fabulação alternativa à representação distópica de uma ideia ocidental e moderna de fim de mundo. Interessa também articular uma outra categoria, que chamo aqui de Imagens-ruína, para pensar em imagens que mobilizam uma resistência aos modos hegemônicos de se fazer cinema, mas também de se fazer história, propondo uma historiografia que se filia aos relatos e arquivos apagados pelo progresso.
    Essa investigação, portanto, situa-se nos estudos da chamada era do Antropoceno, tendo como foco a produção fílmica em terras fronteiriças entre a urbe e as matas latino-americanas. Isso quer dizer que existe um interesse especial nas imagens produzidas em zonas de contato e fricção dos meios urbanos e naturais, sobretudo aquelas que margeiam a Floresta Amazônica, o Cerrado e a Mata Atlântica nos territórios brasileiros. A aposta é que, nessas obras audiovisuais, exista um pensamento imagético guiado por um pensar-com, produzir-com, no lugar de um pensar-sobre ou um produzir-sobre. Deste modo, as hierarquias entre sujeito e objeto seriam também perturbadas, assim como aquelas entre humano e não humano ou entre nós e eles.
    Logo, tais imagens estariam mais próximas de urihi a do que das cisões ocidentais que apartam a natureza da cultura. Além disso, pressupõe-se que nessas produções exista um comprometimento formal e estético com um modo de narrativa que escape aos moldes ocidentais de progresso, ou de uma linearidade entre começo, meio e fim, visando assim um outro tempo. Um tempo muito mais próximo ao transe, ao sonho e à evocação de imagens técnicas espectrais.

Bibliografia

    ALBERT, Bruce; KOPENAWA, Davi. O espírito da floresta: a luta pelo nosso futuro. São Paulo: Companhia das letras, 2023
    MARKS, Laura. The Skin of the Film – Intercultural Cinema, Embodiment, and the Senses. Durham: Duke University Press. 2000
    SANTOS, Antonio Bispo. Somos da terra. Belo Horizonte: PISEAGRAMA, número 12, página 44 – 51, 2018.
    STENGERS, Isabelle. “A proposição cosmopolítica”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 69, p. 442-464, 2018.
    TOUAM BONA, Dénetèm. Cosmopoéticas do refúgio. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2020
    TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.
    VIEIRA JR, Erly. Realismo sensório no cinema contemporâneo. Vitória, ES: EDUFES, 2020.
    WIEDEMANN, Sebastien. “Imaginación política y modos de experiencia cinematográficos: Algunos apuntes desde América Latina”. Estud. filol. no.72 Valdivia, 2023.