Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Carlos Francisco Pérez Reyna (UFJF)

Minicurrículo

    Professor de Cinema no Bacharelado em Cinema e Audiovisual do Instituto de Artes e Design (IAD), do Programa de Pós-graduação em Artes, Cultura e Linguagens (PPGACL) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSo) da Universidade Federal de Juiz de Fora. Realizador dos documentários “Santiago: um ritual andino” (2003), “O Exú no reino de Ogum” (2015), “Zé Carreiro, O Congado e a Padroeira” (2018) e “Conversas na Candinha” (1º corte) (2025).

Ficha do Trabalho

Título

    “Conversas na Candinha” ou praxeologia do filmar na “Quebrada”

Mesa

    Autoria e alteridade no documentário: experiências com etnografias fílmicas e acervos audiovisuais

Resumo

    Esta proposta colocará em evidencia as opções metodológicas do desenrolar das estratégias e operações dos registros fílmicos dos relatos orais das moradoras da comunidade urbana de Santa Cândida em Juiz de Fora (MG), cujo principal objetivo é reconstruir a memória histórica do bairro. Em outras palavras, a descrição da praxeologia1 do autor no fazer documentário em “Conversas na Candinha”. Isto é, o ato de filmar do cineasta e o ato de o (Outro) ser filmado.

Resumo expandido

    Para Rouch (1997) o “Outro” não é só um sujeito de conhecimento, mas é sobretudo um “ator social” (TOURAINE 1998, p.37) onde de alguma maneira está engajado em experiências concretas, ligado à nacionalidade, gênero e raça, à procura aumentar à sua autonomia, a controlar o tempo e as suas condições de trabalho ou de existência. Isto é, embora vivam em uma mesma cidade, em um mesmo tempo histórico, em segmentos iguais de uma mesma classe social, não podem ser vistos como sintomas de nada, ou não como sintomas, sobretudo de suas redes. Cada um deles vive sua condição social, sim, mas reage a ela com marca própria. É isso que acontece quando assistimos “Conversas na Candinha”.
    Pertencer a uma cidade ou bairro, não é apenas viver nela, mas sim participar ativamente de seu cotidiano, de seus ritos, de seus costumes. Dos bairros de Juiz de Fora, a comunidade de Santa Cândida é sem dúvida a quem tem um protagonismo no que diz respeito à produção e resistência cultural e política, religiosidade afro brasileira, movimentos sociais e questões étnico-raciais. Também conhecido como Candinha, o bairro tem origem no século XX, quando pessoas começaram a ocupar essa região a procura de emprego. Hoje, com uma população aproximada de 3.500 habitantes, em sua maioria negros, é composta por pedreiros, auxiliares de pedreiro e domésticas e faz deste bairro um lugar onde se tecem múltiplos saberes e conflitos. Com o aumento da violência em 2003 a 2008, por causa do tráfico, a comunidade vem criando novas narrativas para se reinventar diariamente.
    Entendemos que as palavras em “Conversas” são potentes em seus discursos, porém desconfiadas. As vozes dos interlocutores, são em sua maioria descendentes de quilombolas migrantes dos diferentes lugares de Minas Gerais em sua maioria, os deserdados, os sem terra, os sem voz. O documentário foi realizado com escassos recursos e com uma equipe mínima constituída de alunos do curso de Cinema e Audiovisual da UFJF com “Bolsa de Iniciação Científica”.
    Nessa prática cinematográfica, como realizador, existem algumas questões metodológicas e éticas a serem contempladas, a relação de mise en scène e auto-mise en scène “Define as diversas maneiras pelas quais o processo observado se apresenta por si mesmo e ao cineasta no espaço e no tempo (…) em virtude da qual pessoas filmadas mostram de maneira mais ou menos ostensiva, ou dissimulam a outrem, seus atos e as coisas que a envolvem (FRANCE, p. 405 1998). São algumas estratégias do ato de filmar e atitudes aos imponderáveis de ordem socio-políticos apresentados em duas oportunidades (o encontro que a equipe teve com os jovens do comércio varejista de drogas ilícitas na comunidade). Hoje sabemos que são quadrilhas que controlam as rotas do mercado local de drogas, assim como, frequentemente, o direito de ir e vir da população da comunidade. Como resultado destes encontros fomos obrigados a parar temporariamente em duas oportunidades as filmagens.
    “Conversas na Candinha” é um documentário cujo ponto em comum é a revelação que o bairro foi erguido em sua maioria por mulheres negras descendentes de quilombolas. Dessa maneira, o que trazemos como comunicação são os desdobramentos provocados pelo próprio ato de filmar essa revelação. Quer dizer o documentarista, ao construir sua mise en scène, apresenta igualmente sua própria auto-mise en scène, sendo simultaneamente o sujeito que filma e o sujeito filmado.

    1 Xavier de France. Éléments de scénographie du cinéma (Nanterre: Université devParis X-FRC, 1989, P. 166-167). O termo praxeologia será utilizado para enfatizar os desdobramentos e procedimentos que o pesquisador realiza como cineasta para escolher, cercar, demarcar, delimitar, seguir nosso ator social, sujeito fílmico ou interlocutor de pesquisa.

Bibliografia

    FRANCE, Claudine de. Cinema e Antropologia. Campinas, SP, Editora da Unicamp, 1998.
    FRANCE, Xavier de. Éléments de scénographie du cinéma (Nanterre: Université devParis X-FRC, 1989, p. 166-167)
    ROUCH, Jean. “Poesia, dislexia e câmera na mão”. Cinemais n°8, pp. 7-­‐34, nov./dez., 1997.
    TOURAINE, Alain. Igualdade e diversidade: o sujeito democrático. São Paulo: EDUSC, 1998.