Ficha do Proponente
Proponente
- André Corrêa da Silva de Araujo (UFRGS)
Minicurrículo
- André Corrêa da Silva de Araujo é pesquisador bolsista de pós-doutorado Fapergs PPGCOM/UFRGS. Realiza pesquisas no âmbito da semiótica, do cinema brasileiro, da literatura especulativa e nos estudos do Antropoceno.
Ficha do Trabalho
Título
- Arqueologia de fantasmas e a imagem geológica no cinema de Ana Vaz
Seminário
- Teoria de Cineastas: dos processos de criação à dimensão política do cinema
Resumo
- Este trabalho analisa, à luz das Teorias de Cineastas, como Ana Vaz articula os conceitos de terra, território e habitabilidade em seus filmes, entrevistas e escritos. A partir de uma abordagem arqueológica e fantasmática do cinema, Vaz escava camadas históricas e geológicas do Brasil moderno. Sua obra propõe um “cinema geológico”, no qual a imagem emerge como matéria estratificada, vinculando processos estéticos, políticos e ecológicos à própria materialidade do fazer cinematográfico.
Resumo expandido
- O presente trabalho visa discutir, sob o ponto de vista das Teorias do Cineastas, questões elaboradas pela cineasta brasiliense Ana Vaz que relacionam os conceitos de terra, território e habitabilidade, tanto em sua obra cinematográfica como também a partir de entrevistas e artigos de sua autoria. Em entrevista, a cineasta propõe uma relação entre o seu modo de pensar e fazer cinema com a ciência da arqueologia: “o cinema se torna para mim uma espécie de máquina de escavação como se a câmera pudesse ser um instrumento arqueológico que me ajudasse a ressuscitar os fantasmas que foram enterrados por essa Utopia que habitamos” (VAZ, 2022). Uma arqueologia fantasmática, sem dúvida, que auxiliada pela máquina cinematográfica pode fazer emergir os passados interrompidos de formas de habitar a Terra. Seja através de uma reflexão sobre a construção da cidade de Brasília, em “A Idade da Pedra” (2013), que é investigada como se num futuro longínquo sendo escavada a partir de uma estrutura entre o monumento e a ruína, seja através do filme “Olhe bem para as montanhas” (2018), onde a cineasta visita zonas de mineração instaladas em sítios arqueológicos em Minas Gerais, Ana Vaz questiona de que forma podemos escavar os processos de construção do Brasil moderno através da imagem cinematográfica, demonstrando a persistência dessas camadas estratigráficas como base e fundamento do nosso modo de vida. No caminho, soterrados por camadas de concreto e ideologia, emergem rastros de territórios e seus habitantes que a máquina cinematográfica espectraliza enquanto persistência de um passado que insiste em retornar. Tomando as proposições de Serge Margel acerca de uma “arqueologia dos fantasmas” (MARGEL, 2017), nos interessa discutir como Ana Vaz conceitua a relação entre terra e território através da imagem de arquivo, de uma problematização do cinema etnográfico e da crítica da ideia de Utopia através de uma “desumanização da nossa relação com a realidade através daquilo que a máquina pode realmente nos ensinar em relação a nossa ocupação do tempo e do espaço” (VAZ, 2022). Além disso, também tentaremos observar como Ana Vaz conceitua, de maneira muito próxima a Deleuze, a relação da imagem com a geologia, propondo um tipo muito específico de “cinema geológico” (LITVINTSEVA, 2024; MONTEIRO, 2020), que leva em consideração as interações entre terra, território e modo de habitar. Citando o filósofo francês, diríamos que no cinema de Ana Vaz “o espaço se embrenha na terra, e não deixa ver, mas faz ler seus aterros arqueológicos, suas espessuras estratigráficas, documenta os trabalhos que foram necessários e as vítimas imoladas para fertilizar um campo, as lutas travadas e os cadáveres largados. A história é inseparável da terra, a luta de classe ocorre debaixo da terra, e, se quisermos apreender um acontecimento, não devemos mostrá-lo, não devemos passar ao longo do acontecimento, mas nos entranharmos nele, passar por todas as suas camadas geológicas que são sua história interna (DELEUZE, p.368). Em paralelo a essa dimensão, também iremos destacar como Ana Vaz atenta para a dimensão propriamente geológica do fazer cinematográfico, no sentido em que os processos de produção e circulação da imagem são materialmente construídos a partir de práticas de extração de minérios (BOZAK, 2012; FAY, 2018), seja do ponto de vista da estrutura material da película, seja através da configuração tecnomidiática do cinema digital. Nesse sentido, a obra de Ana Vaz propõe um circuito de leitura que se propõe terrestre, onde a própria imagem, escavada por debaixo de camadas de violência, se materializa a partir do próprio material em que foi registrada. Assim, sua obra propõe um tipo de teoria acerca do cinema na qual a imagem emerge como matéria estratificada, vinculando processos estéticos, políticos e ecológicos à própria materialidade do fazer cinematográfico.
Bibliografia
- BOZAK, Nadia. The Cinematic Footprint: Lights, Camera, Natural Resources. New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 2012
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo: cinema 2. Brasília: Editora Brasiliense, 1990.
FAUSTO, Juliana. A cosmopolítica dos animais. São Paulo: N-1 Edições, 2022.
FAY, Jennifer. Inhospitable World. Cinema in the Time of the Anthropocene. Nova Iorque: Oxford University Press, 2018.
LITVINTSEVA, Sasha. Geological Filmmaking. Londres: Open Humanities Press, 2024.
MARGEL, Serge. Arqueologias do fantasma: técnica, cinema, etnografia, arquivo. Belo Horizonte: Relicário, 2017.
MONTEIRO, Lúcia. Por Um Cinema Geológico: visibilidades possíveis para os tempos da Terra. Revista Eco-Pós, 23(2), 163–187, 2020.
VAZ, Ana. Imaginar Mundos Possíveis. Debate Cinema Urbana, Cine Brasília. Entrevista. 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cYBbbV9aQb4