Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Gustavo Soranz (Unesp)

Minicurrículo

    Professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP), na Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC), campus Bauru. Vinculado ao Departamento de Audiovisual e Relações Públicas – DARP e ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCom). Publicou o livro Trinh T. Minh-ha – intervalos entre antropologia, cinema e artes visuais (Sulina, 2019), Cinema no Amazonas: 1960-1990 (Rizoma Audiovisual, 2022) e Território imaginado (Edições Muiraquitã, 2012)

Ficha do Trabalho

Título

    Acervos fílmicos do Alto Rio Negro. O filme A civilização indígena do Uaupés como arquivo.

Mesa

    Autoria e alteridade no documentário: experiências com etnografias fílmicas e acervos audiovisuais

Resumo

    Em 1958 o salesiano Alcionílio Bruzzi publicou o livro A civilização indígena do Uaupés, etnografia dos povos do Alto Rio Negro. Em seguida, lançou um filme homônimo, que foi pouco visto. Como fazer para que essas imagens retornem aos Tukano para que sejam conhecidas e para que possam ser reinterpretadas por eles em novas produções audiovisuais? Pretendo pensar o retorno dessas imagens aos indígenas, a partir de exemplos de usos dessas imagens que adotei em documentários que montei recentemente.

Resumo expandido

    A Congregação Salesiana chegou ao Alto Rio Negro em 1915. Com apoio do governo brasileiro promoveu ações de evangelização nessa região, densamente habitada por populações indígenas. Na década de 1950 o trabalho da Congregação se guiava por um esforço de integração dos indígenas ao Estado nacional. Para isso era necessário conhecer mais profundamente os povos da região. Além do colecionismo da cultura material, o projeto missionário dos salesianos estabeleceu ações de descrição e produção de conhecimento sobre os grupos indígenas (MONTEIRO, 2012). Surgiram etnografias, dicionários de línguas indígenas, gravações em áudio, fotografias e filmes. Em 1958 o missionário salesiano Alcionílio Bruzzi publicou o livro A civilização indígena do Uaupés, etnografia dos povos da região. Em seguida, lançou um filme colorido homônimo, que descreve a região, suas populações, e registra lugares sagrados e mitológicos para os povos do Alto Rio Negro. O texto de Bruzzi é marcado por um caráter descritivo, não interpretativo, e a exemplo de outras etnografias do período feitas na região por missionários, “entrecortado por opiniões depreciativas e etnocêntricas acerca da cultura indígena ou mesmo da psicologia e inteligência dos índios” (Buchillet, 1994, p.7) Contudo, como assinalou a antropóloga Dominique Buchillet no Prefácio do livro Crenças e Lendas do Uaupés, do mesmo autor, é um trabalho que reúne dados etnográficos importantes para o conhecimento da região, que serve a antropólogos, mas também “pode ser utilizado pelos índios no processo de resgate da sua cultura que atualmente ocorre nesta região.” (1994, p.6). Em anos recentes proliferam iniciativas de repatriação de objetos da cultura material dos povos indígenas brasileiros, que foram patrimonializados em museus ao redor do mundo. Em se tratando de imagens em movimento, um processo de retomada dos arquivos não ocorre do mesmo modo, em função da natureza deste material (Roberts, 2023). Há diversos casos de retorno das imagens filmadas aos grupos que foram objeto do registro, com o notável caso do Vídeo nas Aldeias à frente, contudo, tal processo também tem seus limites. Como lidar com o retorno das imagens filmadas quando o agente produtor das imagens não tem o compromisso ético com isso? Como lidar com o descompasso histórico entre o registro inicial e o momento atual das lutas dos povos indígenas na arena das imagens em movimento? Há anos tenho trabalhado com temáticas ligadas aos povos indígenas do Alto Rio Negro, especialmente do grupo Tukano, e tenho utilizado imagens do filme citado em produções com colaboradores indígenas sobre questões atuais ligadas a processos socioculturais na Amazônia. Contudo, não sou um Tukano. Me considero e atuo como um aliado. A utilização que promovo dessas imagens possui um determinado caráter. Posso afirmar que sou privilegiado por ter acessado essas imagens, enquanto elas seguem praticamente desconhecidas dos indígenas do Alto Rio Negro ainda hoje. Como fazer para que essas imagens retornem aos Tukano para que sejam primeiramente conhecidas e, posteriormente, que possam ser reinterpretadas por eles em novas produções audiovisuais? Quais os desafios para um empreendimento dessa natureza especialmente no contexto do Alto Rio Negro, uma região de complexa sociodiversidade, que passa por transformações aceleradas no processo contínuo de aproximação com a chamada sociedade nacional? Como indigenizar os arquivos fílmicos históricos produzidos no contexto da colonização e da expansão da chamada sociedade nacional, contribuindo para um processo de renovação da identidade cultural dos povos indígenas?
    Meu interesse é pensar movimentos possíveis de retorno aos indígenas das imagens do filme homônimo, nesse processo de retomada e reinvenção da identidade cultural dos povos do Alto Rio Negro que tem ocorrido nas últimas décadas, partindo de reflexões e exemplos de sobre usos dessas imagens que adotei em documentários que montei nos anos recentes.

Bibliografia

    BUCHILET, Dominique. Prefácio. In: Bruzzi, Alcionilio. Crenças e lendas do Uaupes. Cayambe-Ecuador: Ediciones Abya-Yala, 1994.
    GLEGHORN, Charlotte. Subverting racist imagery for anti-racist intent: Indigenous filmmaking from Latin America and the resignification of the archive. In: Cultures of Anti-Racism in Latin America and the Caribbean. Institute of Latin American Studies, School of Advanced Study, London, 2019. p.73-100.
    MONTERO, Paula. Selvagens, civilizados, autênticos: a produção das diferenças nas etnografias salesianas (1920-1970). 2012.
    ROBERTS, Gillian. Indigenizing the Archive: Souvenir and the NFB. In: CARRUTHERS, Lee and TEPPERMAN, Charles (ed.) Canadian Cinema in the New Millennium. Montreal: McGill-Queen’s University Press; 2023. p.203-216.
    BRUZZI, Alcionilio. A civilização indígena do Uaupés. São Paulo: Centro de Pesquisas de Iauarete–Missão Salesiana do Rio Negro, 1962.