Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Anderson Luis Ribeiro Moreira (UFF/Funai)

Minicurrículo

    Anderson Moreira é doutor em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde defendeu em 2022 a tese: Poéticas da posse: apropriações de super-heróis pelo audiovisual brasileiro. É formado em Cinema e Audiovisual pela mesma instituição e mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Atua como indigenista na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).

Ficha do Trabalho

Título

    Coringa a Arlequina e a reinvenção de um multiverso proprietário em The People’s Joker

Resumo

    The People’s Joker é um filme que parodia elementos do universo Batman de forma não autorizada, fazendo uso inventivo de propriedades intelectuais (PIs), criando possibilidades de mundos para além de suas amarras corporativas. Ao aproximar essas PIs da vida da diretora, o filme coloca suas referências numa perspectiva queer, fazendo esses conteúdos experimentarem outras vivências, afirmando a existência de uma estética posseira que delira os usos da PI em seu contato com o mundo que a rodeia.

Resumo expandido

    Dirigido por Vera Drew, o filme The People’s Joker (Estados Unidos, 2022) explora temas como identidade e transição de gênero e a reimaginação de mídias pop a partir da apropriação do universo (e multiverso) proprietário da DC Comics/Warner Bros. O filme cria uma versão da jornada de transição de gênero da própria diretora, que utiliza o alter ego “Joker the Arlequin” (em tradução livre: Coringa a Arlequina), assim como reinventa diversos personagens e versões do universo Batman à margem das possibilidades corporativas de utilização destas PIs (propriedades intelectuais). Essa abordagem abraça a complexidade das identidades queer, diferenciando o filme de certas abordagens LGBTQIA+ do cinema hollywoodiano mainstream mais focado na aceitação e conformação ao status quo.

    Essa comunicação é um desdobramento da minha tese de doutorado em Cinema que busca refletir sobre as apropriações da cultura pop global realizadas por determinados filmes, particularmente aquelas obras que tomam posse de super-heróis e de seus universos, e sobre as formas com que esses gestos apropriadores de um multiverso de propriedades intelectuais constelam (SOUTO, 2020), de maneira errática (AGUILAR, 2010), outras relações est/éticas. No caso do filme aqui analisado, The People’s Joker, essas apropriações criam espaços e tempos queer. O conceito de posse contra propriedade (NODARI, 2008) é particularmente caro a essa pesquisa, na medida em que no gesto queer são subvertidos processos de identificação e ideologia a partir de uma desidentificação e insurreição (MUÑOZ, 1999), são signos do capitalismo que são devorados para criar outros corpos, corpos queer múltiplos, que os personagens originais não poderiam experimentar em suas existências canônicas. Se na estética proprietária dos filmes de super-heróis os usos das PIs são calculados, contratualmente limitados, na estética posseira há o frenesi de uma liberdade inaudita, uma multiplicação de usos gozosos.

    No filme de Drew, acompanhamos o percurso realizado pela protagonista, interpretada pela própria diretora, ao sair do interior para a cidade grande (Gotham City) e tentar a vida como comediante, trabalhando para o único conglomerado autorizado a produzir comédia nesse mundo distópico monitorado pelo Batman. Fracassando como comediante, ela funda um clube de anti-comédia, em conjunto com seu parceiro, Pinguim, a fim de burlar as regras que regulam a produção de comédia. O filme recorre ao surrealismo, à sátira e a uma ousada reimaginação de personagens (PIs) da DC Comics/Warner Bros. A jornada pessoal da diretora como realizadora trans influencia profundamente The People’s Joker e sua formação em comédia e cinema experimental transparece na estética caótica e alucinógena do filme, misturando animação, CGI e humor excêntrico. O filme contou com mais de 100 colaboradores que contribuíram para a profusão de animações e efeitos visuais. Assim, a estética posseira também comparece na multiplicidade de cada efeito visual criado, cada animação ou CGI, que carrega, ao mesmo tempo, sua visão única e múltipla, das muitas vidas midiáticas que esse universo proprietário possui no contato com seu público, e que Vera consegue orquestrar num filme declaradamente classificado como paródia, estratégia jurídica adotada pela cineasta para poder criar uma obra, que a um só tempo diz muito a respeito de sua própria história de vida, mas que dificilmente teria sido autorizada pelos detentores dos direitos sobre as PIs.

    Nesta proposta pensamos os gestos apropriadores de The People’s Joker alinhados a uma estética posseira, isto é, aquela que não detém as PIs, mas faz uso intensivo das mesmas, criando espaços e tempos queer, em contraposição ao tempo linear da propriedade privada e da família cisheteronormativa. Em vez de relações de propriedade que esvaziem o mundo de suas indeterminações, identificamos relações de posse, de grilagem, que destravam devires e constroem outras possibilidades de mundo.

Bibliografia

    AGUILAR, Gonzalo. Por uma ciencia del vestigio errático. (Ensayos sobre la antropofagia de Oswald de Andrade). Buenos Aires: Grumo, 2010.

    MUÑOZ, José Esteban. Disidentifications: queer of colors and the performance of politics. Minnesota: University of Minnesota Press, 1999.

    NODARI, Alexandre. Um antropófago em Hollywood. Oswald espectador de Valentino. Anuário da Literatura, Florianópolis, p. 16-26, jul. 2008. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2020.

    SOUTO, Mariana. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia, São Paulo, n. 45, p. 153-165, set-dez 2020. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/44673/33173. Acesso em 22 dez. 2020.

    WARK, Mackenzie. Capital is dead: is this something worse? [recurso eletrônico]. London; New York: Verso, 2019.