Ficha do Proponente
Proponente
- Artur Renzo (FFLCH-USP)
Minicurrículo
- Artur Renzo é bacharel em Filosofia (USP) e em Cinema (Faap). Atualmente desenvolve pesquisa de mestrado sobre Stanley Kubrick no Departamento de Filosofia da FFLCH-USP, sob orientação do professor Ricardo Nascimento Fabbrini, com apoio da Capes. Editor e tradutor, integra o conselho editorial da revista Margem Esquerda.
Ficha do Trabalho
Título
- Explosão econômica, confinamento estético: os espaços de Dr. Fantástico (1964)
Eixo Temático
- ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL
Resumo
- A proposta é apresentar uma leitura da construção espacial de DR. FANTÁSTICO (1964), de Stanley Kubrick, tendo em vista uma investigação maior sobre a relação entre forma estética e processo social no filme. A hipótese de pesquisa é que o mediador espacial (entendido aqui como categoria dialética e histórica) permite trazer à tona aspectos de “conteúdo social sedimentado” na forma estética do filme.
Resumo expandido
- Lançado em 1964, DR. FANTÁSTICO acertou em cheio os ânimos de um país ávido para expurgar a retórica e as ansiedades do macarthismo, e que tinha acabado de ver a possiblidade de uma guerra nuclear passar diante de seus olhos. O filme de Stanley Kubrick obteve um enorme sucesso de crítica e bilheteria, particularmente entre o público jovem das grandes cidades e regiões universitárias – atinando, portanto, inclusive com o recorte demográfico da onda de agitação política e cultural que culminaria em 1968. Essa constatação é ponto de partida para esta comunicação, que pretende investigar a construção espacial do filme em uma leitura que procura relacionar forma estética e processo social.
Como esclarece JAMESON (1984, p. 181), uma das “condições de possibilidade” para o desencadeamento da nova dinâmica política e social dos anos 1960 foi o processo de fusão da AFL e do CIO, ocorrido em 1955, que “garantiu a expulsão dos comunistas do movimento operário estadunidense, consolidou o novo ‘contrato social’ antipolítico entre sindicatos e empresariado estadunidense e criou uma situação em que os privilégios da força de trabalho masculina e branca asseguraram-lhe precedência face às demandas dos trabalhadores negros, das mulheres e de outras minorias”. Esses dados históricos requalificam o elemento de claustrofobia de DR. FANTÁSTICO: um filme de 1964 que se passa inteiramente em três espaços militarmente fechados povoados quase exclusivamente por homens brancos das Forças Armadas – com uma exceção bastante reveladora.
A contenção espaço-temporal cerrada é um dado formal estruturante: o ponto disparador da ação é dado logo na primeira cena, e o filme é organizado de cabo a rabo como uma grande montagem de ação paralela que intercala os acontecimentos nesses três espaços separados e incomunicáveis. A trama se desenrola, assim, como que num fôlego só, em tempo real (os marcadores diegéticos de tempo coincidem com a duração do filme).
Se é consenso entre os comentadores que boa parte da originalidade do filme consiste na maneira pela qual ele articula organicamente três eixos temáticos aparentemente díspares – humor, sexualidade e guerra –, um olhar detido para a espacialidade do filme, contudo, revela um quarto eixo latente mas nem por isso menos onipresente: a sociedade de consumo do pós-guerra. A identificação de uma homologia estrutural entre o padrão insular da nova geografia suburbana do pós-guerra estadunidense e a estrutura monádica dos ambientes isolados nos quais se desenrola a ação de Dr. Fantástico, a um só tempo espaçosos e asfixiantes, é, assim, chave para a leitura aqui proposta.
Conforme HARVEY (2012, p. 9), o enorme projeto de sistema rodoviário estadunidense, o modelo de urbanização implementado por Robert Moses e a promoção de uma rodada de consumo movido a crédito efetivamente resolveram um problema de sobreacumulação do pós-guerra. A forma de resolução dessa crise, no entanto, já prepara e fornece os termos da crise seguinte. É o que começa a ficar evidente no início dos anos 1960. De fato, a janela política aberta nesse período será lida por muitos autores nessa chave. Parece ter especial ressonância o fato de que, ao descrever, em outro lugar, essa “contradição cultural do capitalismo tardio”, JAMESON (2008, p. 373) recorra a uma metáfora explosiva: “o sistema de consumo estimula novas necessidades e novas demandas – muitas delas falsas ou espúrias, é claro – mas cuja dinâmica e pressão já não conseguem mais ser acomodadas no interior do sistema, cuja franca massa ameaça fazê-lo explodir.”
O paralelo parece fértil não só por reforçar as conhecidas relações entre economia e guerra no complexo industrial-militar, mas sobretudo por revelar a cegueira moral da Era Nuclear a partir dos vasos comunicantes entre indústria cultural e militarização do cotidiano; e trazer à tona cumplicidade silenciosa entre o ciclo de prosperidade do pós-guerra e o horizonte destrutivo da Bomba Atômica.
Bibliografia
- BRODERICK, Mick. Reconstructing Strangelove: Inside Stanley Kubrick’s Nightmare Comedy. Nova York, Columbia University Press, 2017.
DIMENDBERG, E., Film Noir and the Spaces of Modernity. Cambridge: Harvard University Press, 2004.
HARVEY, David. Rebel Cities: From the Right to The City to the Urban Revolution. Londres: Verso, 2012.
JAMESON, Fredric. “Pleasure: A Political Issue”. In: JAMESON, F. The Ideologies of Theory. Londres: Verso, 2008.
______. “Periodizing the 60s”. Social Text, n. 9/10, The 60s Without Apology, primavera/verão, 1984, Duke University Press, p. 178-209.
______. “Spatial Systems in North by Northwest”. In: ZIZEK, Slavoj. (org.), Everything You Always Wanted to Know about Lacan (But Were Afraid to Ask Hitchcock). Londres: Verso, 1992. p. 47-73.
MARCUSE, Herbert. The One Dimensional Man. Londres: Routledge, 2002.
VIRILIO, Paul. Guerra e cinema: logística da percepção, trad. Paulo Roberto Pires. São Paulo: Boitempo, 2005.