Ficha do Proponente
Proponente
- Christiane Quaresma Medeiros (Unicap)
Minicurrículo
- Christiane Quaresma é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Formada em Design pela UFPE. Mestre em Comunicação pela UFPE com pesquisa na área de história e teoria da animação, com foco no experimental. Doutora em Comunicação pela UFPE, onde desenvolveu pesquisa nas áreas de animação, corpo e gesto na perspectiva batailleana do informe. Atualmente, se detém sobre os desdobramentos da tese sobre outros artefatos do campo das imagens, como o audiovisual de horror.
Ficha do Trabalho
Título
- Espetacularização do êxtase religioso no cinema e o filme como mediador da experiência extática
Seminário
- Estudos do Insólito e do Horror no Audiovisual
Resumo
- O artigo observa as formas de espetacularização do êxtase religioso no cinema de horror a partir de duas dimensões. A primeira, mais ampla, associando a função social do êxtase religioso com a função de suas representações no campo estético (cinema incluso). Em particular, as obras que imaginam o filme como vetor da experiência extática, caso de Sinister (2012) e Cigarette burns (2005), em que é a própria película o artefato mágico que media o processo de tomada do sujeito pelas entidades.
Resumo expandido
- Cigarette burns (2005), episódio de John Carpenter para a série “Masters of Horror” (2005-2007) tem início com uma fala provocativa: “Filme é magia” – diz o narrador – “e, nas mãos certas, uma arma”. O episódio trata de um filme chamado “La fin absolue du monde”, que teria o poder de levar as pessoas a um estado de êxtase violento, tendo desencadeado uma carnificina no cinema em sua primeira exibição. Benjamin (2013) observa que, historicamente, as primeiras imagens são produzidas a serviço da magia, com a função de mediar a experiência mística ou religiosa. A partir da imagem técnica, essa função ritual da imagem se altera, do valor de culto para o valor de exposição. O filme seria, segundo Benjamin (2013), “a forma mais avançada” dessa “transformação funcional” da arte (BENJAMIN, 2013, p. 61). No entanto, imaginamos, através do próprio cinema, filmes que teriam o potencial mágico de mediar o êxtase espiritual, como Sinister (2012), que trata de uma entidade que vive nas imagens e sobrevive a aparelhagem técnica que media sua produção. Antes em gravuras e pinturas, mas agora em um conjunto de filmes em rolos de super 8, que toma crianças e as leva a sacrificar seus familiares.
O artigo lança olhar para essas obras numa abordagem interdisciplinar, entre os estudos da comunicação e a antropologia da religião que trata dos fenômenos extáticos. O êxtase religioso envolve, nessa perspectiva, as práticas pautadas na crença de comunhão entre o humano e a entidade, principalmente através da possessão, mas não reduzidas a esta. Lewis (1977) considera como fenômenos relacionados, por exemplo, as experiências que envolvem falar em línguas, além das profecias e clarividência. Como objeto de estudo da antropologia, as experiências extáticas são observadas menos sob uma perspectiva investigativa em busca de confirmação de autenticidade e mais sob a ótica da função que acabam adquirindo no tecido social das comunidades que as incorporam. Aqui, cabe destacar o crescente interesse contemporâneo pelas experiências extáticas no ocidente, que Lewis (1977) entende como resultado da secularização, levando as pessoas a buscarem satisfazer certa “necessidade de excitação mística” (LEWIS, 1977, p. 20) em antigas e novas matrizes religiosas, que se proliferam.
A partir disso, poderíamos entender a espetacularização do êxtase religioso no cinema como outro sintoma desse interesse, tanto que capitalizado nesse âmbito da indústria cultural para consumo em massa de possuídos por grande variedade de espíritos, demônios e entidades de naturezas diversas. Observar o cinema nessa perspectiva envolve também entendê-lo como parte de nossa histórica relação afetiva com as imagens. Em estudo sobre cinema e religião, o pesquisador Altierez Sebastião dos Santos (2016) sugere que o tipo de imersão possibilitada pelo cinema aproxima-se da experiência do êxtase religioso, observando também na secularização a busca das pessoas por renovadas formas de transcendência.
O presente artigo pretende, nesse sentido, observar as formas de espetacularização do êxtase religioso no cinema de horror a partir de duas dimensões. A primeira, mais ampla, de certo modo associando a função social do êxtase religioso com a função social de suas representações no campo estético (cinema incluso). Em particular, destacamos as obras que, além disso, imaginam o próprio artefato fílmico como vetor por excelência da experiência extática, caso dos já mencionados Sinister (2012) e Cigarette burns (2005), em que é a própria película o artefato mágico que media o processo de tomada do sujeito pelas entidades. Ao colocar em jogo a materialidade do filme, atualiza-se o imaginário do êxtase a partir do novo acervo midiático.
Bibliografia
- BATAILLE, Georges. A experiência interior. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
BELTING, Hans. An anthropology of images: Picture, medium, body. Princeton: Princeton University Press, 2014.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Porto Alegre: L&PM, 2013.
LEWIS, Ioan. Êxtase religioso. São Paulo: Perspectiva, 1977.
SANTOS, Altierez Sebastião. Cinema, magia e o deslocamento da religião na sociedade atual. Correlatio, v. 15, n. 1, jun. 2016.