Ficha do Proponente
Proponente
- Livia Arbex (PPGCOM PUC-Rio)
Minicurrículo
- Livia Arbex é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-Rio e graduada em Piano pelo Conservatório Brasileiro de Música. Atua como montadora de cinema e audiovisual desde 2006. Recebeu o prêmio Sesc Novos Talentos no Festival Kinoforum pela realização do curta-metragem “Clube do Otimismo”. Coordenou o curso de Formação Livre em Montagem da AIC-Rio e foi professora do “Taller Documentales 2” na EICTV em Cuba.
Ficha do Trabalho
Título
- Beth Carvalho, cineasta amadora: entre o arquivo e o repertório
Eixo Temático
- ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS
Resumo
- Beth Carvalho foi uma cineasta amadora que constituiu um arquivo de duas mil horas de sons e imagens. Parte delas foi digitalizada e montada em “Andança” (Pedro Bronz, 2023). Nos registros, a cantora ora tem a câmera em punho, ora se insere no quadro. Esta apresentação analisa como a alternância entre filmar e participar tensiona as relações de classe, gênero e raça na história de uma mulher cuja identidade foi forjada em diálogo com – e sobre – a negritude e a periferia.
Resumo expandido
- No documentário “Andança”, Beth Carvalho diz que tem cabeça de pesquisadora tanto de sua vida quanto da vida dos outros. E que mora dentro de um arquivo, que também é sua casa. Em outro trecho, é firme ao dizer que o que falta ao Brasil é negritude. As passagens apontam os caminhos que a cineasta amadora pretende percorrer ao constituir seu acervo.
Em muitos dos registros, a câmera amadora de Beth se desloca da zona sul para o subúrbio do Rio de Janeiro. Numa delas, vemos uma roda de samba, até que a imagem trepida fortemente. O evento indica que a câmera mudou de mão. Beth entra em quadro, canta, interage com os músicos. Aponta o dedo, faz um gesto forte como quem diz “ali”, direcionando para onde a lente deve olhar. O registro é pesquisa de repertório para um álbum futuro.
Esta apresentação analisa as imagens amadoras de Beth, mulher branca que forjou sua identidade em diálogo com a cultura negra e periférica do Rio de Janeiro. Sua presença nesse território é marcada pelo afeto e pela escuta, ao mesmo tempo que mobiliza contradições, atravessamentos e disputas simbólicas. Refletiremos sobre como se constroem os pactos de pertencimento e debateremos de que forma tais imagens tensionam a ideia de amefricanidade como categoria político-cultural (Lélia Gonzalez).
As práticas performáticas – o samba, a roda, o gesto, a fala cantada – são parte dos saberes transmitidos corporalmente. Ao se envolver com essas práticas, Beth se inscreve nelas. Seu corpo dança, vibra, é memória encarnada. Ao inserir sua câmera no coração do samba, a cineasta não apenas documenta: ela também interfere, performa, escolhe o que mostrar e o que não mostrar. A prática é inscrita simultaneamente no arquivo, ao mesmo tempo que é mobilizada como repertório vivo, habitado e compartilhado. Sua câmera não é neutra: ela se movimenta junto com os corpos que filma. O ato não é só registro, mas também presença, relação e reafirmação de pertencimento a uma cultura viva. De que forma tais registros reivindicam uma forma de pertencimento que valoriza os saberes, línguas, estéticas e resistências forjadas por sujeitos subalternizados?
A apresentação, ainda, tratará da problemática sobre a visibilidade do arquivo, que não foi catalogado por um repositório. Tais imagens contam, silenciosamente, a história dos aparatos tecnológicos de captação audiovisual no Brasil entre 1960 e 2010. Há registros em super 8, 16mm, cassete, vhs, minidv e câmeras de celular. Os dois últimos nunca circularam ou foram montados. Depois da morte da cantora, em 2019, a família entregou parte do acervo à produtora TV Zero. O longa-metragem de Pedro Bronz é a única obra que retomou parte deste material até o presente momento.
Bibliografia
- BLANK, Thais e LINS, Consuelo. Filmes de família, cinema amador e a memória do mundo. Significação: Revista de Cultura Audiovisual v.39, n37, 2012.
DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Tradução: Cláudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, Nº. 92/93 (jan./jun.). 1988b, p. 69-82.
LINDEPERG, Sylvie. O caminho das imagens: três histórias de filmagens na primavera-verão de 1944. Revista Estudos Históricos, v. 26, n. 51, p. 9–34, 2013.
TAYLOR, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Belo Horizonte: Editora UFMG