Ficha do Proponente
Proponente
- Rodrigo Santos Sousa (UAM)
Minicurrículo
- Co-Fundador do Coletivo Mundo em Foco (2004), Co-idealizador e diretor do Super OFF – Festival Internacional de Cinema Super 8 (2014), Co-organizador do 1666 Festival (2019) e Co-Idealizador da POSTAL – Mostra de Fotofilme, VideoPoesia e VideoCarta (2020). É membro da APAN, da ABPA, da Rede de Talentos Paradiso e da Diversity Network da SPCine. Atuou como curador, programador, jurado, educador e colaborador em festivais na Argentina, Colômbia, Cuba, Espanha, França, México, Perú e Uruguai.
Ficha do Trabalho
Título
- Super 8 em Tomada Única: Festivais com filmes montados no Ato de Filmar
Eixo Temático
- ET 5 – ETAPAS DE CRIAÇÃO E PROCESSOS FORMATIVOS EM CINEMA E AUDIOVISUAL
Resumo
- O movimento One Take Super 8 surgiu em 1999 no Canadá como resposta criativa à escassez de cartuchos Super 8, propondo filmes editados no ato de filmar. A “tomada única” se espalhou pelo mundo, integrando e criando festivais até chegar ao Brasil. Introduzido pelo Curta 8 em 2009, o modelo foi adotado pelo Super OFF, dentre outros festivais. Hoje, com mais de 1000 filmes produzidos no país, é possível investigar a força e diversidade do Super 8 contemporâneo brasileiro.
Resumo expandido
- Tomada Única em Super 8: resistência estética e crítica ao dispositivo hegemônico
Parte-se do princípio de que todo realizador tem o direito de escolher o formato com que deseja filmar — seja celular, Super 8, Alexa, Red, BlackMagic ou outras tecnologias. A defesa dessa liberdade é também uma resistência à homogeneização tecnológica e à limitação das possibilidades criativas. Cada formato implica uma linguagem própria, e apropriar-se dessas linguagens é essencial para reconfigurá-las segundo nossos contextos e modos de ver o mundo.
A experiência com o Super 8 é singular: filmar com esse formato implica uma relação íntima entre corpo e câmera. Trata-se de um dispositivo próximo ao olho, e não no ombro ou nas mãos, o que altera o gesto e o olhar. Mesmo que se opte depois por tecnologias digitais, a vivência com o Super 8 deixa marcas estéticas e sensíveis duradouras.
Não se trata aqui de um purismo nostálgico. A convivência com o digital é produtiva. A crítica está na forma como o digital se impôs como padrão técnico e simbólico, muitas vezes de modo excludente. Um exemplo é a construção do termo “fotografia analógica”, inexistente antes dos anos 2000. A imagem fotoquímica não é uma analogia, mas a própria inscrição da luz na matéria. Já o sensor digital, ao converter luz em dados binários, simula essa relação.
A ascensão do digital nos anos 2000 coincidiu com a possibilidade de países do sul global avançarem na produção local de película. A rápida adesão ao digital, mesmo com qualidade inferior à época, se deu pela praticidade e compatibilidade com fluxos industriais. Porém, discute-se pouco o viés ideológico dessa mudança: arquivos digitais são rastreáveis; suportes fotoquímicos, não. A cadeia produtiva da película e das câmeras digitais permanece no hemisfério norte, enquanto o sul segue como consumidor dependente.
Filmar em película exige planejamento: a limitação de tempo e custo impede o acúmulo de material e demanda uma abordagem mais consciente da imagem. Enquanto os stories produzem crônicas efêmeras do presente, a película evoca um tempo da memória, no qual cada registro é uma escolha deliberada. Surge então a pergunta: por que filmar em Super 8? E mais especificamente: por que filmar em Tomada Única?
A técnica da Tomada Única, ao dispensar edição e pós-produção, desafia convenções narrativas e resgata uma prática mais espontânea e artesanal. Sua adoção por festivais internacionais e sua chegada ao Brasil revelam uma transformação estética no uso da película. Este estudo visa refletir essa trajetória, seus efeitos históricos, estéticos e políticos.
Do ponto de vista teórico, a proposta dialoga com a noção de dispositivo cinematográfico formulada por Arlindo Machado. A tomada única remete ao cinema das origens, marcado por liberdade formal e improvisação. A padronização posterior — com projeção frontal, som sincronizado, espectador passivo — consolidou uma experiência homogênea. A tomada única subverte esse modelo, valorizando o processo em detrimento do produto final.
Sem edição posterior e tendo que realizar o filme em ordem cronológica, o cineasta precisa coreografar cada movimento com precisão. Falhas e acidentes tornam-se parte da obra. A estética do grão, das cores instáveis e da textura da película contrasta com a suavidade do digital, criticando a normatização técnica da imagem contemporânea.
Além disso, a tomada única aproxima o cinema das artes visuais, promovendo experiências fílmicas em espaços alternativos como galerias ou ambientes híbridos, intensificando a fruição sensorial e participativa. Trata-se, enfim, de uma forma de resistência simbólica à industrialização da imagem. Ao destacar o gesto, o erro e a temporalidade, a Tomada Única em Super 8 propõe uma outra forma de existir do cinema no mundo contemporâneo.
Bibliografia
- MACHADO, Arlindo. Cinema e arte contemporânea. São Paulo: Papirus, 2007.
BAUDRY, Jean-Louis. O dispositivo: metapsicologia do cinema. In: XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
MIGLIORIN, Cezar et al. Inventar com a diferença: cinema, educação e direitos humanos. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
ONE TAKE SUPER 8 EVENT. One Take Super 8 Event. Disponível em: https://onetakesuper8event.blogspot.com/. Acesso em: 7 mar. 2025.
FOCO. Superoff. Disponível em: https://www.mundoemfoco.org/superoff/. Acesso em: 7 mar. 2025.
CURTA 8. Curta 8 – Festival Internacional de Cinema Super 8 de Curitiba. Disponível em: https://www.curta8.com.br/?page_id=3368. Acesso em: 7 mar. 2025.