Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro de Andrade Lima Faissol (Unespar)

Minicurrículo

    Doutor e Mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Bacharel em Comunicação Social (Cinema) pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor Adjunto do Bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Paraná e do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV/Unespar).

Ficha do Trabalho

Título

    A figuração do sagrado no cinema: análise comparativa do motivo da Anunciação Cristã

Seminário

    Estudos Comparados de Cinema

Resumo

    O motivo da Anunciação Cristã, quando aludido nos filmes, desperta um dilema: a figuração do sagrado deve se dar de forma integrada ao meio envolvente ou requer estratégias de distinção? Para superar esta dualidade, sintetizada no princípio da “não-homogeneidade do espaço” (Eliade) e da “continuidade” do erotismo sagrado (Bataille), propomos uma constelação de 5 filmes. O método comparatista nos ajudará a encontrar as nuances dos conceitos operatórios e a iluminar as singularidades das obras.

Resumo expandido

    O episódio bíblico da Anunciação refere-se ao encontro do Anjo Gabriel com a Virgem Maria. Após ouvir e aceitar a mensagem do Anjo, respondendo-lhe que seja feito “segundo a tua palavra” (Lucas 1,38), a Virgem consente com a encarnação do verbo divino. No Quattrocento italiano, o tema da Anunciação se torna objeto de um grande problema de representação. O desafio diz respeito às diferenças ontológicas entre o Anjo e a Virgem. Como conciliar, em uma mesma imagem, o sagrado e o profano? A iconografia da Anunciação responde este impasse através da cesura espacial. Para separar os dois lados da composição, são elaboradas diversas estratégias visuais, entre as quais se destaca a inscrição – nos signos plásticos da pintura – de colunas, corredores, janelas etc.
    No artigo “Montage obligatoire”, o crítico e ensaísta Alain Bergala identifica equivalentes fílmicos para os dispositivos pictóricos consagrados na iconografia da Anunciação. Segundo Bergala, a cesura espacial é retrabalhada em alguns filmes pela montagem, através do uso expressivo do corte. Trata-se de reforçar o princípio da “não-homogeneidade do espaço”. Como defende o historiador das religiões Mircea Eliade, o sagrado pertence a um espaço qualitativamente diferente do profano. Por outro lado, na filosofia de Georges Bataille, o erotismo sagrado (assim como o erotismo dos corpos e o dos corações) ofereceria uma experiência de “continuidade”, suprimindo por uns instantes a angústia da “descontinuidade”, inerente ao indivíduo.
    O motivo da Anunciação Cristã, quando aludido nos filmes, desperta um dilema de ordem representacional: a figuração do sagrado deve se dar de forma integrada ao meio envolvente ou requer estratégias de distinção? Para superar esta dualidade, sintetizada no princípio da “não-homogeneidade do espaço” (Eliade) e da “continuidade” do erotismo sagrado (Bataille), propomos uma constelação fílmica composta de 5 obras cinematográficas: “A marquesa d’O” (Éric Rohmer, 1976), “O som e a fúria” (Jean-Claude Brisseau, 1982), “Eu vos saúdo Maria” (Jean-Luc Godard, 1985), “Correspondências” (Eugène Green, 2007) e “O estranho caso de Angélica” (Manoel de Oliveira, 2010).
    Em “O Estranho Caso de Angélica”, o fotógrafo Isaac interessa-se pelo trabalho manual dos cavadores da vinha, uma atividade agrícola à beira da extinção. Quando é convidado a fazer um retrato post-mortem de Angélica, ele a vê sorrir através do visor de sua câmera. A partir daí, Isaac se depara várias vezes com a imagem espectral de Angélica, que parece evocar a figura de um anjo. Porém, sempre há obstáculos materiais entre os dois. A demarcação inequívoca entre eles denota uma visão de mundo melancólica, sem conciliação possível entre a vida e a morte, entre o sagrado e o profano, entre a linha reta do progresso e as práticas ritualísticas do passado. Após a morte de Isaac, finalmente, as imagens espectrais dos dois se encontram num forte abraço, fazendo ecoar o canto nostálgico dos cavadores da vinha.
    Em “O som e a fúria”, de Jean-Claude Brisseau, a figura misteriosa que aparece para Bruno é uma espécie de anjo batailleano, convocando o jovem rapaz para a experiência da “continuidade”, seja através do erotismo, seja através da morte. Embora a figuração do sagrado – ao menos num primeiro momento – também venha acompanhada de estratégias claras de diferenciação, há passagens no filme que denotam uma extrapolação de qualquer contorno distintivo. Uma vez estabelecidas as zonas limítrofes, elas são transgredidas por um gesto que parece se filiar à filosofia de Georges Bataille: “[O erotismo sagrado] concerne à fusão dos seres com um além da realidade imediata (…)” (Bataille, 2025, p. 41).
    Entre estes dois filmes supracitados, há uma escala bastante ampla de possibilidades figurativas. A aposta desta comunicação é que o método comparatista nos ajude a encontrar as nuances dos conceitos operatórios empregados e a iluminar as singularidades das obras analisadas.

Bibliografia

    ARASSE, Daniel. L’Annonciation italienne: Une histoire de perspective. Paris: Hazan, 2010.
    BATAILLE, Georges. O Erotismo. Belo Horizonte: Autêntica, 2025.
    BERGALA, Alain. Nul mieux que Godard. Paris: Editions Cahiers du cinéma, 1999.
    ______. “Montage Obligatoire”. In: BERGALA, Alain (Org.). La Création cinéma. Crisnée: Yellow Now, 2015.
    BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2015.
    ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: A essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
    SOUTO, Mariana. Constelações Fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia (Online), n. 45, set-dez, 2020, p. 153-165.