Ficha do Proponente
Proponente
- Roberto Ribeiro Miranda Cotta (UFPel)
Minicurrículo
- Professor de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde ministra disciplinas nas áreas de direção, roteiro e cinema contemporâneo. Coordenador dos projetos de extensão Cine UFPel e Zero4 Cineclube. Curador da Mostra de Cinema Latino-americano de Rio Grande. É membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs) e da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine).
Ficha do Trabalho
Título
- O filme imprevisto em Ruína (2016), ou quando o rosto permanece em quadro
Resumo
- Esta proposta pretende analisar a composição da mise en scène documental no curta-metragem Ruína (2016), de Gabraz, a partir da incorporação da imprevisibilidade durante a gravação de um plano-sequência. Para tal propósito, discute-se como o filme é modulado pelas ações e reações da atriz social às interações com a equipe e demais intervenções que surgem fora de quadro.
Resumo expandido
- Ruína (2016), do cineasta Gabraz (também conhecido como Gabraz Sanna), possui aproximadamente 15 minutos. Na maior parte do tempo, a obra é composta por um plano-sequência em preto e branco que mostra a cantora Maria Bethânia na tentativa de declamar o poema Ruína (2000), de Manoel de Barros.
A artista é registrada em primeiro plano, com algumas variações para o close-up constituídas através de movimentos óticos na lente (zoom-in e zoom-out). Contudo, a declamação é diversas vezes interrompida por ruídos sonoros que surgem fora de campo: latidos de cachorro, cantos de pássaro, vozes inesperadas, queda de garrafa d’água, sobrevôo de helicóptero.
Ainda assim, a câmera permanece ligada, revelando as reações às interrupções e às interações com a equipe do filme, o que não costuma ser comum em obras cinematográficas, nem mesmo documentais, tornando a imprevisibilidade parte da composição do registro.
Finalmente, após a declamação sem interdições, há um corte que leva a uma nova cena, na qual são avistadas imagens de uma cachoeira onde uma mulher se banha enquanto dança. Nesse trecho de encerramento, a voz de Bethânia é ouvida no extracampo ao recitar outro poema: Prece (1976), de Fernando Pessoa.
Esta proposta de artigo vislumbra analisar a mise en scène documental engendrada no plano-sequência que abre o filme, com foco na forma como a atriz social reage às intervenções sonoras do extracampo, em meio ao modo como a câmera revela a situação.
Nesse viés, considera-se o pensamento de Ramos (2011). O autor defende a possibilidade de uma encenação documentária concebida mediante as relações imprevistas entre documentarista, ator social e contexto de filmagem. Essa conjunção é composta pelo “tipo de ação que se desenrola livre no transcorrer indeterminado da tomada, face à câmera” (p.8).
Tal condição dialoga com os estudos de Bordwell e Thompson (2013), apontando que o conceito de mise en scène não precisa estar atrelado ao controle da cena. Para eles, “o cineasta pode também estar aberto a eventos não planejados” (p.205), algo que seria até mais natural no âmbito documental que na ficção.
Em vídeo gravado para o canal Curta Kinoforum, na época da exibição do filme no 27º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, Gabraz (2016) afirma que o registro era parte do processo de um longa-metragem sobre a família e a infância da atriz social, que teria a participação do irmão dela, o cantor e compositor Caetano Veloso, dentre outras pessoas de seu ciclo de convivência.
Entretanto, o longa foi transformado em curta, modificando as dimensões do projeto e incorporando as circunstâncias proporcionadas pela filmagem. Isto demonstra que sua mise en scène experimenta uma modulação da realidade que aposta no imprevisto como força criativa. Sendo assim, aquilo que poderia ser descartável torna-se parte componente da própria obra.
Buscando decifrar as nuances dessa mise en scène, o quadro teórico da pesquisa se baseia em autores como Aumont (2008), Astruc (2012), Bazin (2013), Bordwell e Thompson (2013), Oliveira Jr. (2013) e Ramos (2011). E ao questionar como a imprevisibilidade do registro documental pode se transformar na matéria essencial do filme analisado, a hipótese é que o plano-sequência focado nas ações e reações de Maria Bethânia permite potencializar as interações dela com o mundo registrado em Ruína.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. O cinema e a encenação. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2008.
ASTRUC, Alexandre. O que é a mise-en-scène? Revista Foco, 2012. Disponível em: https://www.focorevistadecinema.com.br/FOCO4/miseenscene.htm. Acesso: 6 abr. 2025.
BARROS, Manoel. Ruína. In: Ensaios fotográficos. São Paulo: Leya, 2000.
BAZIN, André. Montagem proibida. In: O que é o cinema? São Paulo: Cosac Naify, 2014.
BORDWELL, David; THOMPSON, Kristin. A Arte do Cinema: uma Introdução. São Paulo: Edusp, 2013.
GABRAZ. Gabraz | 27º Curta Kinoforum. YouTube, 24 out. 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IApbBlrOno0. Acesso: 6 abr. 2025.
OLIVEIRA JR., Luiz Carlos. A mise en scène no cinema: Do clássico ao cinema de fluxo. Campinas: Papirus. 2013.
PESSOA, Fernando. Prece. In: O eu profundo e os outros eus. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1976.
RAMOS, Fernão Pessoa. A Mise-en-Scène do Documentário. Cine Documental, v. 5, p. 11, 2011.