Ficha do Proponente
Proponente
- Bruno Mascena dos Santos (USP)
Minicurrículo
- Montador, mestrando em Meios e Processos Audiovisuais pelo PPGMPA-ECA-USP (2024-atual) e bacharel em Audiovisual pela ECA-USP, onde foi bolsista FAPESP de iniciação científica com a pesquisa “O pixel como elemento expressivo e o corte ao vivo” (2018). Têm experiência na área de Artes, com ênfase em montagem audiovisual e novas mídias. Atualmente, pesquisa videos de ponto de vista no TikTok.
Ficha do Trabalho
Título
- #POV: Como a composição de vídeos de pontos de vista tem se transformando no TikTok?
Eixo Temático
- ET 2 – INTERMIDIALIDADES, TECNOLOGIAS E MATERIALIDADES FÍLMICAS E EPISTÊMICAS DO AUDIOVISUAL
Resumo
- O objetivo é investigar tendências, entre 2019 e 2024, de vídeos auto-intitulados como POV (ponto de vista) no TikTok. A hipótese a ser explorada é que a forma dos vídeos modifica-se continuamente na rede de relações interpretativas que se dá entre atuantes, observadores e plataforma; tensionando o conceito de ponto de vista convencionado no cinema, nos videogames e em outras artes. Esse processo coloca em fricção uma multiplicidade de visualidades, modos de produção e de observação.
Resumo expandido
- Propõe-se a análise de três tendências de POV que circularam entre 2019 e 2024 no TikTok. A primeira delas propõe a representação do ponto de vista óptico de um personagem ou objeto, para isso, adota a câmera subjetiva como convenção formal. Essa estratégia confere ao observador um estatuto de observador-personagem, o desloca para dentro da cena, “permitindo-lhe vivenciá-la como um sujeito vidente implicado na ação” (MACHADO, 2002). Em geral. esses vídeos são acompanhados de uma enunciação textual, por exemplo: “POV: o que o papel vê ao ser impresso” (@kevboyperry, 13”, 2019); nesse caso, a câmera é posicionada sobre uma folha de papel que está, de fato, sendo impressa; as ações e os olhares de uma segunda personagem (um garoto que aguarda a impressão) dirigem-se diretamente à câmera para que o observador veja na tela uma simulação, com efeito imersivo, do olhar e da fisicalidade da folha de papel durante o desenrolar da cena.
A segunda tendência diferencia-se da primeira por propor a visualidade de um observador externo à diegese. Esses vídeos suscitaram um intenso debate online. Por um lado, usuários argumentaram que os vídeos de POV não poderiam ser captados em terceira pessoa, porque, dessa forma, o olhar dos observadores deixaria de corresponder à visão subjetiva de uma personagem, modificando radicalmente a experiência imersiva articulada pelas imagens dos verdadeiros vídeos de ponto de vista. Por outro lado, defenderam uma ampliação do termo; nas palavras do usuário @etymologynerd, o POV estava tornando-se também um “marcador discursivo interpessoal”. Isto é, “são construções que emergem da fala em interação e assumem funções de atrair para si a, ou aproximar-se da atenção do interlocutor, planejando, mantendo e organizando a interação falante/ouvinte…” (FREITAG; SILVA; EVANGELISTA, 2017).
No vídeo “pov: vc é a única não profissional da saúde da sua família de médicos” (@carlagbalta, 10”, 2023), por exemplo, a câmera nos mostra quatro pessoas engajadas em uma conversa enquanto uma outra, a única não-médica do grupo, aparentemente deslocada, os observa em silêncio, olha para a lente fotográfica e bebe uma taça de vinho. A construção textual propõe uma transferência de corpos: você, observador é; ao mesmo tempo, eu, atuante sou; e é assim que nós agimos ou nos sentimos nessa situação específica; é este o nosso ponto de vista cognitivo. Essa relação também não provoca um efeito imersivo? A oposição entre observadores interno e externo é suficiente para considerar essas duas tendências como fenômenos distintos? Beiguelman (2023) nos diz que “o celular com câmera se transformou numa espécie de terceiro olho na palma da mão”, um olho móvel, prótese e extensão dos corpos. Além disso, as câmeras dos celulares têm potência reflexiva, podem alternar-se entre a janela (câmera traseira) e o espelho (câmera frontal), são capazes de registrar os corpos que integram como se estivessem descoladas dele, articulando um espaço de observação liminar entre subjetivo e o exterior.
A terceira tendência faz uso tanto da câmera subjetiva, quanto da objetiva; o enunciado textual também varia entre a primeira e a terceira pessoa. O que a particulariza é a proeminência do caráter coletivo de produção dos vídeos. Por exemplo, em “POV: aquele garoto brasileiro no meu feed do TikTok”, atuantes de diversos países (Iémen, Jamaica, França, Rússia, etc) performam uma imitação satírica de um vídeo viral em que MC Menor JP interpreta a música “Menina de Vermelho”, de MC Daleste. Compõe-se coletivamente um olhar comum sobre um corpo, uma cultura e sobre a circulação dos vídeos na plataforma. Nesses casos, atuante e observador confundem-se ainda mais um no outro. Ainda são vídeos de ponto de vista?
Objetiva-se, portanto, discutir a reorganização do sujeito observador, as disputas em torno da ideia de ponto de vista e os diferentes modos de articular, através dos corpos e do vídeo, maneiras de ver e participar do mundo.
Bibliografia
- Textos:
BEIGUELMAN, G. Políticas da imagem: vigilância e resistência na dadosfera. 2. ed. São Paulo: UBU Editora, 2023.
FREITAG, R. M. K.; SILVA, R. B. ; EVANGELISTA, F. S. R. Marcadores discursivos interacionais. DIACRÍTICA (BRAGA), v. 31, p. 20-75, 2017.
MACHADO, A. Regimes de Imersão e Modos de Agenciamento. In: XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom, 2002, Salvador. Anais do XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Salvador: UNEB.
Vídeos:
@carlagbalta. pov: vc é a única não profissional da saúde da sua família de médicos. TikTok, 10”, 2023. Disponível em: .
@etymologynerd. POV language change. TikTok, 1’, 2024. Disponível em: .
@kevboyperry. POV: what my printer paper sees #pov. TikTok, 13”, 2019. Disponível em: .