Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Jorge Ribeiro dos Santos Filho (UFC)

Minicurrículo

    Graduado em Cinema e Audiovisual pela UFPE, Jorge Filho tem trilhado um caminho na área do roteiro, da direção e da curadoria. Atualmente está finalizando um mestrado em comunicação no PPGCOM-UFC.

Ficha do Trabalho

Título

    O insólito como mediador de problemas sociais no cinema brasileiro contemporâneo

Eixo Temático

    ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL

Resumo

    A presença do insólito enquanto artifício narrativo tem sido bastante valorizada dentro do cinema brasileiro dos últimos quinze anos. Dentro desse panorama, propomos pensar alguns filmes que têm entre seus temas a discussão de problemas sociais brasileiros, perpassando questões de moradia, classe, raça e precarização do trabalho. A partir disso, propomos uma análise das instâncias em que o insólito se apresenta em cada um dos filmes.

Resumo expandido

    O cinema brasileiro contemporâneo tem recorrido ao insólito como artifício narrativo para discutir questões sociopolíticas nacionais, com uma grande quantidade de cineastas brasileiros produzindo filmes nos quais o insólito é incorporado em maior ou menor intensidade. García (2012, p. 20 apud Cánepa; Nascimento, 2018, p. 9) define o insólito como “aquilo que não é característico ou próprio de acontecer, bem como não é peculiar nem presumível nem provável, pode ser equiparado ao sobrenatural e ao extraordinário, ou seja, àquilo que foge do usual ou do previsto, que (…) é raro, excepcional, estranho, esquisito, inacreditável (…)”.
    Chegamos a alguns estudos que observam certa tendência contemporânea no cinema mundial de mesclar questões relativas ao insólito em suas narrativas, mas sem deixar de manter a instância naturalista. A esses filmes são articulados alguns conceitos, como o “novo realismo” (Elsaesser, 2015), e a partir deles aprofundamos como o cinema brasileiro se insere dentro dessa lógica.
    Ao nos debruçarmos sobre alguns filmes nacionais contemporâneos, encontramos duas instâncias em que o insólito se apresenta em suas narrativas: a primeira é relativa a uma exposição de cicatrizes abertas brasileiras através da “inversão do esperado” (Cánepa e Nascimento, 2018, p.10). Nesse jogo, o sobrenatural, o estranho, ou seja, o insólito, é utilizado como mero descortinamento desses problemas, sem que haja uma interferência resolutiva do mesmo. Vimos em O som ao redor (2012), que aborda ligeiramente os resquícios da escravidão no Brasil, e em Mormaço (2018), que evidencia o problema de moradia no Brasil, exemplos dessa utilização do artifício. A segunda instância trata de uma maior intervenção do insólito na narrativa. Os filmes onde observamos essa instância foram M-8: Quando a morte socorre a vida (2019), longa-metragem de Jeferson De, e o curta-metragem Ramal (2023), de Higor Gomes. Neles percebemos uma atividade de agência e de assujeitamento do insólito perante as barbáries e opressões, sendo em “M-8” a dinâmica mediúnica do protagonista Maurício em relação à morte da juventude negra no país, e em Ramal, a capacidade dos cincos jovens motoqueiros de pararem o tempo para simplesmente terem tempo de lazer.
    Por fim, achamos vestígios que nos permitem conceber o insólito como um artifício narrativo de inconformismo dentro dos objetos aqui analisados. Somado a isso, iremos nos permitir uma comparação entre a interpretação de Benjamin acerca do Angelus novus, o quadro de Paul Klee, e nossa percepção do insólito enquanto revelador ou agente nos filmes que compuseram o corpus fílmico. Principalmente em M-8: Quando a morte socorre a vida e Ramal, o insólito parece dotado dos poderes de um Angelus Novus – ou “Anjo da História” (Benjamin, 2020, p. 118 e 119) – que, sob uma nova chance, conseguiu ausentar-se da força antagonista que o levou a ignorar, contra a própria vontade, a barbárie avistada por ele. Achamos possível também avaliar o insólito a partir de Foucault e sua noção de dispositivo. Nessa ideia de prospecção e ação política, o insólito nos permite pensá-lo como um elemento de fratura do dispositivo. Podemos aprofundar o que Foucault quer dizer com dispositivo:

    Através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não-dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. (Foucault, 2021, p. 244)

    O insólito, dessa forma, dotado dos poderes do Angelus de Klee, apresenta nessas narrativas seu potencial enquanto ferramenta de exposição/revelação e agência dos processos sociopolíticos brasileiros.

Bibliografia

    Benjamin, Walter. Sobre o conceito de história: edição crítica / organização: e tradução Adalberto, [notas] Márcio Seligmann-Silva. – 1° ed. São Paulo. Editora Alameda, 2020.

    Elsaesser, Thomas. “Cinema mundial: Realismo, Evidência, Presença”. Trad. Cecília Mello. In: MELLO, Cecília (org). Realismo Fantasmagórico. São Paulo: Pró-Reitoria de Extensão Universitária – USP, 2015, p. 37-59.

    Foucault, Michel. Microfísica do poder. 13° ed. São Paulo. Editora Paz & Terra, 2021.

    Nascimento, Genio; Cánepa, Laura. 41º CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO – INTERCOM, 2018, Joinville. Narrativas insólitas no século XXI: Novo realismo e horror no cinema contemporâneo. São Paulo: Intercom, 2018. Disponível em: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2018. Acesso em: 20 de março de 2025.