Ficha do Proponente
Proponente
- Daniela Giovana Siqueira (UFMS)
Minicurrículo
- Professora da graduação em Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA/USP. Mestre em História e Culturas Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Líder do Grupo de Pesquisa CNPq “História, Educação e Audiovisual: circularidades e formação social”, na UFMS.
Ficha do Trabalho
Título
- Você gostou do filme? “Não. Cinema brasileiro entra dentro da gente”
Seminário
- Políticas, economias e culturas do cinema e do audiovisual no Brasil
Resumo
- Esta comunicação centra olhar em uma experiência cineclubista realizada em uma unidade prisional na cidade de Campo Grande- MS. O objetivo é o de estabelecer uma discussão sobre as relações entre produção, formação e circulação descentralizada da produção cinematográfica nacional, que historicamente sofre com os pressupostos que tornam as etapas da distribuição/exibição um verdadeiro gargalo por onde apenas goteja o imenso patrimônio audiovisual nacional para a fruição de seu público interno.
Resumo expandido
- Pensando a cadeia produtiva do cinema brasileiro sob um ponto de vista histórico é possível perceber que a etapa da distribuição segue apresentando um gargalo para que a imensa maioria dos filmes produzidos no país possam chegar de forma mais ampla junto à população. Neste contexto, os cineclubes têm desenvolvido, ao longo do tempo, o papel fundamental de dar acesso ao cinema nacional a uma população descentralizada ao longo do território, muitas vezes composta por pessoas que não têm possibilidade de frequentar salas de cinema comerciais.
Esta comunicação centra seu olhar em uma experiência de exibição sistemática de filmes brasileiros realizada na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, que há três anos exibe filmes nacionais em uma unidade prisional feminina.
O cineclube é realizado nas dependências do Estabelecimento Penal Feminino de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência ao Albergado (EPFRSAAA-CG), com periodicidade semanal ao longo do ano, e voltado para o público composto por internas da unidade.
Sob a perspectiva da experiência com o cinema, a partir do pressuposto da formação, as sessões tecem correlação com o que Isaac Pipano e Cezar Migliorin (2019) chamam de “pedagogia com o cinema”, ou seja, o estabelecimento de um mecanismo de trocas que tem por princípio o relacionamento direto com as imagens e os sons, a fim de construir conhecimento para a vida.
Sob o pressuposto da formação acadêmica, procuramos enxergar em que medida uma ação desenvolvida a partir de uma ação extensionista, aliada ao desenvolvimento do ensino da disciplina obrigatória “Comunicação Audiovisual na Educação”, da graduação em Audiovisual da UFMS, torna possível compreender, a partir de uma dimensão prática, pressupostos teóricos e historiográficos sobre as etapas da distribuição e exibição do filme brasileiro em território nacional.
A esmagadora maioria do público analisado desconhecia, a produção audiovisual brasileira, mesmo em se tratando de títulos como O palhaço (2011), dirigido por Selton Melo, que já havia sido exibido em horário nobre na grade de programação da maior rede de televisão aberta do país, a Globo. Segundo Jean-Claude Bernardet, “Não é possível entender qualquer coisa que seja no cinema brasileiro, se não se tiver sempre em mente a presença maciça e agressiva, no mercado interno, do filme estrangeiro, importado quer por empresas brasileiras, quer por subsidiárias de produtores europeus e norte-americanos” (Bernardet, 2009, p.21).
Se o fato já é conhecido, propomos sobre ele mais uma camada de discussão, em um país com as características identitárias e de formação socioeducacional que marcam o ainda pouco desenvolvimento interno, seguir a lógica de uma cadeia produtiva do cinema que relega aos streamings pagos e às salas de cinema a lógica da fruição, representa estabelecer um lugar interditado para o acesso da população aos filmes brasileiros.
A comunicação se propõe pensar que, a divisão estanque e canônica a partir da qual percebemos a dinâmica da cadeia produtiva do audiovisual: produção, distribuição, exibição e preservação exige no contexto nacional uma readequação em sua aplicação. Para isso estabelece diálogo com autores como Ray Edmondson (2013), que afirma o acesso como pressuposto inequívoco do conceito de preservação. Com Noel dos Santos Carvalho e Jailson Ramos (2024), que refazem o caminho de pensamento de Paulo Emílio Salles Gomes e atualizam a discussão sobre a situação colonial do cinema brasileiro. E, mais uma vez, Jean-Claude Bernardet (1995) e sua tese sobre a escolha historiográfica brasileira em privilegiar a produção ao invés da exibição na escrita do conhecimento histórico sobre o cinema nacional.
Ao final, tomando por base uma experiência cineclubista, esperamos poder pensar em como romper com os limites engendrados pelos pressupostos de uma cadeia produtiva, em favor da superação de nosso subdesenvolvimento, a partir da formulação política de um ecossistema audiovisual brasileiro.
Bibliografia
- BAHIA, Lia, BUTCHER, Pedro e Tinen, PEDRO. Imaginar o audiovisual como política pública. Belo Horizonte, Universo Produção, 2023.
BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia. São Paulo: Annablume, 1995.
BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
CARVALHO, Noel dos Santos, RAMOS, Jailson. Ainda, uma situação colonial? Uma reflexão sobre a dependência estrutural do cinema brasileiro. In: Rebeca – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, São Paulo, v. 13, n.1, p. 01-26, jan./jun., 2024. Disponível em: https://rebeca.emnuvens.com.br/1/article/view/1102, acesso em 04 de abril de 2025.
EDMONDSON, Ray. Filosofia e princípios da arquivística audiovisual. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Preservação Audiovisual/Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 2013.
MIGLIORIN, Cezar, PIPANO, Isaac. Cinema de brincar. Belo Horizonte: Relicário, 2019.