Ficha do Proponente
Proponente
- Luiz Augusto Coimbra de Rezende Filho (UFRJ)
Minicurrículo
- Professor Associado IV do NUTES-UFRJ. É graduado em Comunicação Social-Cinema (UFF), com mestrado e doutorado em Comunicação e Cultura (UFRJ), e Pós-doutorado na Pontifícia Universidad Católica do Chile. Autor do livro “Microfísica do Documentário – Ensaio sobre criação e ontologia do documentário” (2013), e co-organizador da coletânea “Cinema-Educação: políticas e poéticas” (2021), publicado sob os auspícios da Socine. É Bolsista de Produtividade do CNPq (nível 2).
Ficha do Trabalho
Título
- Vocacional, ou como apagar a raridade de uma imagem?
Resumo
- “Vocacional uma aventura humana” retoma a experiência dos Ginásios Vocacionais de São Paulo. O filme retoma também uma obra rara: o curta-metragem “Ensino Vocacional” (1969). Objetivamos analisar aqui como as imagens deste curta são reapropriadas pelo documentário, que deslocamentos de sentido são produzidos, com que consequências. Ao relegar a dimensão de raridade do curta, Vocacional ignora a sua vinculação a uma rede de significados igualmente rara: as condições de produção do curta-metragem.
Resumo expandido
- Em Vocacional, uma aventura humana (Brasil, 2011), Toni Venturi e sua equipe retomam a experiência dos Ginásios Vocacionais do estado de São Paulo, desenvolvida entre 1962 e 1969, e reprimidos pelo regime militar (Silva, 2020; Tamberlini, 2016). Para isso, o filme retoma também uma obra singular e rara: o curta-metragem em preto e branco Ensino Vocacional (Brasil, 1969), produzido e realizado por estudantes do Departamento de Cinema da USP. Este filme ensaia um estilo de documentário observacional, com tomada de som direto e equipamentos leves, mostrando as dinâmicas particulares de uma escola vocacional, o Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha, na capital paulista, especialmente as interações entre seus alunos e professores. O curta Ensino Vocacional mantem a maior parte do seu foco nas falas dos alunos, e procura evidenciar a singularidade deste modelo de ensino em que o jovem tem sua agência reconhecida.
O objetivo deste trabalho é analisar como as imagens do curta-metragem Ensino Vocacional, tomadas como arquivo, são reapropriadas pelo documentário Vocacional, uma aventura humana, que deslocamentos de sentido são produzidos, e com que consequências. Essa análise pretende realizar um mapeamento das inserções dos trechos do curta-metragem no longa Vocacional, uma aventura humana, de maneira a identificar em que novos circuitos de sentido e significação suas imagens e/ou sons entram por meio dos gestos de montagem de Venturi.
Notamos que, em meio a imagens mais atuais, as imagens do curta-metragem são absorvidas sem que seja explicado ou referenciado fundamentalmente o seu deslocamento no tempo histórico, nem o sentido deste deslocamento ou o valor dessas imagens/sons. Em que pese não serem as únicas imagens apropriadas, já que isso também ocorre com outros filmes, tais como os curtas “Deixa o sol entrar” (1968), “Under the table” (1984), “Pátio Vocacional” (1969), e “Viagem de formatura a Itatiaia” (1971), elas são subsumidas à categoria de “imagens de arquivo”. Ou seja, servem a ilustrar e comprovar um discurso atual rememorativo sobre os Ginásios Vocacionais em geral: falas e depoimentos, bastante fragmentados, assim como as imagens e sons do curta, são cortados em função de um discurso totalizador mais ou menos diretivo.
A relação do arquivo com o filme serve à ordem da representação supostamente daquele projeto de escola e do jovem que ela formava. A raridade deste arquivo, deste documento, está na sua integridade como gesto completo e específico. Entendemos como “raridade” o princípio segundo o qual “é preciso analisar a disponibilidade dos arquivos, dos documentos e das imagens não como fruto meramente de um acaso, mas como o produto de determinadas condições que possibilitaram/conformaram justamente a existência e a conservação daqueles documentos/filmes exatamente da maneira como são” (Rezende Filho, 2013). Ao fragmentá-lo sem referir-se ou nos remeter à sua integridade, Ensino Vocacional perde a evidência de sua raridade e ganha uma dimensão apenas ilustrativa ou “representacional” (Lindeperg, 2007). Ao relegar a dimensão de raridade do arquivo, nos parece que Vocacional perde uma de suas forças principais, ignorando a vinculação do arquivo a uma rede de significados potenciais igualmente rara: as razões e as condições de existência e produção do curta Ensino Vocacional, entre as relativamente poucas coisas que foram ditas sobre a experiência dos Ginásios Vocacionais em sua época.
Bibliografia
- LINDEPERG, S. Nuit et brouillard: un film dans l’histoire. Paris: Odile Jacob, 2007.
REZENDE FILHO, L. A. C. Documentário científico e acervos audiovisuais: endereçamento, campos de correlação e gestos estéticos-políticos. In: XVII Encontro da Socine – A sobrevivência das imagens, 2014, Palhoça. Anais de Textos Completos do XVII Encontro Socine. São Paulo: Socine, 2013. v. 1. p. 448-457.
SILVA, A. B. Ginásios Vocacionais: Memórias e Resistências (1962-2018). Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2020.
TAMBERLINI, Angela R. M. B. Ensino Vocacional: formação integral, cultura e integração com a comunidade em escolas estaduais paulistas na década de 1960. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 70, p. 119-137, dez. 2016.