Ficha do Proponente
Proponente
- Lucas Honorato Cordeiro Contreiras Teles (UFRJ)
Minicurrículo
- Graduado em Cinema de Animação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mestre em Comunicação e Cultura no PPGCOM da UFRJ. Doutorando no PPGCOM da UFRJ. Curador freelancer, realizador audiovisual e pesquisador de cinema, comunicação, raça e etnicidade. Redator na revista Descompasso.
Ficha do Trabalho
Título
- A Cyber Quimera: Transmutação para uma estética outra-que-não-humana
Seminário
- Estudos Comparados de Cinema
Resumo
- Este trabalho analisa as estratégias transtextuais do remix cinematográfico como dissidência à primazia do original e das imagens puras como episteme, a partir do ensaio Nascimento de Urana (Mombaça, 2017); sua adaptação fílmica The Birth of Urana Remix (Jota Mombaça, 2020); e o curta-metragem a ilha (Darks Miranda, 2023). Assim, examinamos como essas práticas dissidentes se articulam com noções de identidades difusas e quiméricas do corpo humano-máquina e o humano-terra presentes nas obras.
Resumo expandido
- Este estudo está situado dentro da pesquisa de doutoramento sobre o “Cinema Remix” como um prática estética, ética e metodológica que busca encontrar rotas de fuga das práticas comerciais da propriedade intelectual e do direito autoral, fundados no capitalismo, contra ao pensamento de identidade universal e essencialista oriunda da colonialidade do poder (Quijano, 2005). Assim, realizamos uma análise comparativa de três obras para refletir sobre estratégias transtextuais do remix no cinema como uma forma dissidente que questione a primazia do original e o mito das imagens puras e como isso é refletido em seus conteúdos. As obras são: o texto ensaístico Nascimento de Urana (Jota Mombaça, 2017), sua adaptação fílmica The Birth of Urana Remix (2020) e o curta A ilha (Darks Miranda, 2023).
Nesse sentido, a escolha para pensar a alquimia entre estas três obras se dá por como os filmes lidam com a alteridade maquínica e geológica relacionada à uma certa desobediência de identidade e apostam na metamorfose como um gesto de identidade dissolvida e infamiliar, para refletir sobre a transtextualidade do remix no cinema como uma forma dissidente. Vale notar que ambos os filmes transitam entre cinema e videoarte. Também foram exibidos em galerias e outros ambientes para além da sala de cinema e apresentam a característica fluída que marca tanto a sua forma e conteúdo, quanto a de sua exibição e recepção.
A análise dialógica surge a partir da discussão de Viveiros de Castro (2023) sobre o transitar a tríplice fronteira da inteligência, como um modo de contrariar o sujeito humano universal, na antropologia pela tríade: humano, animais, máquinas ou humano, animais, espíritos — onde a categoria animais inclui plantas, fungos e outros seres viventes. A partir disso, nos orientamos para a fronteira humano-máquina-terra, situando os seres viventes para a categoria “humano” e puxando a terra para esse triângulo. Do mesmo modo, analisa-se como os filmes tensionam a cisão e fusão na relação de figura e fundo entre corpo-terra e corpo-máquina que as obras constroem, flertando com a discussão do “cinema geológico” proposta por Lúcia Ramos Monteiro (2020), como as obras se relacionam dialeticamente com as hipóteses cibernéticas e do alien discutidas por Donna Haraway (2009) e estão situadas em uma estética outra-que-não-humana.
Desse modo, a importância dada aqui a este pensamento dialógico está presente na transtextualidade definida por Gérard Genette como “tudo que o coloca em relação, manifesta ou secreta, com outros textos” (Genette, 2010, p. 13) como modo contrário à valorização ao ideal de original. Como adição à esta episteme, o pensamento da tradução como transcriação desenvolvido por Haroldo de Campos (2015), “parte de critérios originados da observação de elementos intratextuais para chegar a um novo texto” (Tápia, 2015, p. XVII) que, “por desconstrução e reconstrução da história, traduz a tradição, reinventado-a” (de Campos, 2015, p. 39).
Assim, os termos transcriação e transluciferação são incorporados ao estudo por se alinharem à uma insatisfação de certos pressupostos de verdade (fidelidade), originalidade e sacralização ao original que se envolvem com as discussões sobre as noções de identidade na modernidade. Para além de uma organização lexical, estes termos nos ajudam a ancorar algumas perspectivas para pensar esse “Cinema Remix” como ética, estética e método, e em como estas obras utilizam estas operações para produzir um corpo (fílmico) quimérico, na qual a monstruosidade de seus vários seres, ora rastreáveis ora camuflados, combatem e evidenciam a fragilidade epistemológica de uma pureza cultural essencialista.
Bibliografia
- CAMPOS, Haroldo de. Tradução como transcrição. Organização de Marcelo Tápia, Thelma Médici Nóbrega. São Paulo: Perspectiva, 2015.
GENETTE, Gérard. Palimpsestos: a literatura de segunda mão. Tradução de Luciene Guimarães et al. Belo Horizonte: Viva Voz, 2010.
HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. Tradução de Tomaz Tadeu. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. p. 33-118.
MONTEIRO, L. R. Por Um Cinema Geológico: visibilidades possíveis para os tempos da Terra. Revista Eco-Pós, [S. l.], v. 23, n. 2, p. 163–187, 2020.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A tríplice fronteira da inteligência: humano, animais, máquinas/espíritos. No prelo. 2023