Ficha do Proponente
Proponente
- Letícia Xavier de Lemos Capanema (UFMT)
Minicurrículo
- Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e do bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Líder do GECAS – Grupo de Estudos e Cinemas e Audiovisuais da UFMT. Supervisora do Cineclube Coxiponés da UFMT. Atualmente, desenvolve a pesquisa ‘Memória e preservação do cinema e audiovisual em Mato Grosso: acervo, história e cineclubismo”.
Coautor
- Esther Hamburger (USP)
Ficha do Trabalho
Título
- De Copacabana ao Pantanal: representações do espaço na incursão de Arne Sucksdorff no Brasil
Seminário
- Cinema e Espaço
Resumo
- Este estudo se volta à construção do espaço na obra do cineasta sueco Arne Sucksdorff realizada no Brasil, destacando aspectos da representação de dois universos singulares: Copacabana e Pantanal. Durante os 30 anos em que esteve no Brasil (1962-1993), Sucksdorff realizou o longa-metragem “Fábula” (1965) e a série para a TV Sueca “Mundo à Parte” (1972), sua derradeira obra. Como esses dois filmes nos provocam a pensar formas menos antropocêntricas de abordar o espaço?
Resumo expandido
- A partir de um convite da Unesco e do Itamaraty, o cineasta sueco Arne Sucksdorff chega ao Brasil em 1962 para ministrar um curso de cinema que proporcionou o contato de jovens realizadores, alguns engajados no Cinema Novo, com equipamentos profissionais antes não disponíveis no Brasil, como uma câmera Arriflex blimpada de 35mm, um gravador Nagra III e uma moviola Steenbeck. Esses equipamentos foram utilizados também em outros projetos cinematográficos brasileiros, como “Vidas Secas” (Nelson Pereira dos Santos, 1963), “Garrincha” (Joaquim Pedro de Andrade, 1963), entre outras produções (Escorel, 2012). O curta “Marimbás” (1963), feito a partir do roteiro do aluno Vladimir Herzog, foi realizado como conclusão do curso.
Durante sua estadia no Rio de Janeiro, Sucksdorff realizou o longa-metragem “Meu Lar Copacabana” (Mitt hem är Copacabana) ou “Fábula”, na versão Brasileira. O filme, que contou com a participação de alunos do curso, faz um recorte original do espaço do conhecido bairro carioca, incluindo o morro da Babilônia. Uma ficção com características documentais, o filme aborda a difícil realidade de quatro crianças que vivem entre o morro e a areia da praia, circunscrevendo assim os limites do bairro. A câmera estável ou em deslocamentos seguros busca captar movimentos dos atores mirins de forma a realçar relações entre pessoas e elementos do espaço em que estão inseridos, com uso da profundidade de campo e de horizontes. A tomada em cima do morro funciona como uma espécie de panóptico, no sentido de Foucault (2013), mas um panóptico invertido, observatório de onde os moradores do morro desfrutam diariamente da visão privilegiada sobre os que vivem ao nível do mar.
Após a experiência no Rio de Janeiro, Sucksdorff se instala no Pantanal mato-grossense, onde constitui uma nova família brasileira junto à Maria Graça de Jesus e onde vive até 1993. Nesse período, realizou fotos e a série “Mundo a Parte” (På jordens baksida, 1972), financiada pela TV Sueca. Composta de 4 episódios de 30 minutos cada, a série registra os anos de pesquisa no bioma pantaneiro, em processos de experimentação fotográfica, sonora e fílmica para um filme futuro, nunca realizado, que se chamaria “O Sorriso na escuridão” (Marques, 2014).
Em “Mundo a Parte”, Sucksdorff apresenta uma representação lírica de sua vida nômade junto à família brasileira em acampamentos no Pantanal mato-grossense. A série revela o cineasta em uma espécie de documentário autobiográfico, uma auto-exposição de intimidade em episódios que retratam anos vividos entre fazendas e acampamentos, em atividades que envolveram experimentações visuais e sonoras para o filme, cercados por uma dinâmica ambiental de encantamento e preocupação com o futuro do Pantanal.
A série se alinha à vertente do cinema da realidade física (Kracauer 1997[1960]) ao se valer de tomadas longas e da gravação de som direto, enquadrando rios, plantas e animais (incluindo nessa categoria, o ser humano). Mas flerta com o cinema narrativo, no uso de narração, close-ups e encenação da vida cotidiana nos acampamentos. Ao capturar as dinâmicas da fauna e da flora pantaneira, a série reforça uma visão da natureza não como um fundo estático, mas como presença ativa e em constante mudança. Em “Mundo a Parte”, fundo e figura se misturam não para contar histórias movidas por causa e efeito, mas por uma sensibilidade fotográfica à “realidade física” captada pela câmera.
A partir da observação dessas duas obras, este estudo busca discutir a presença de dois espaços singulares, Copacabana e Pantanal, tensionando a seguinte pergunta: Como esses dois filmes nos provocam a pensar formas menos antropocêntricas de realização cinematográfica? Por meio de análises estéticas, narrativas e de materiais extra fílmicos, são exploradas aproximações e distanciamentos no modo como o realizador propõe reconstruções desses espaços e de seus personagens, observando como fundo e figura se configuram em cada obra.
Bibliografia
- Escorel, E..Missão Sucksdorff – o que poderia ter sido. Revista Piauí. SP, 19/10/2012.
Foucault, Michel. Vigiar e punir. Leya, 2013.
Hamburger, E.; Capanema, L. À parte do mundo: uma agrônoma cuiabana e um cineasta sueco no Pantanal Mato-grossense dos anos 1970. In: Cinema e Audiovisual em Mato Grosso. Vol. 2. SP, Paruna Editorial, 2023.
Hamburger, E.. O Rio de Janeiro visto da sua Babilônia: interlocuções fílmicas transnacionais em um filme de Arne Sucksdorff no Brasil. SP, Anais Compós, 2024.
Hamburger, E.. Arne Sucksdorff professor incômodo no Brasil. Doc On-line, n. 27, pp. 81-108. Disponível em: https://ojs.labcom-ifp.ubi.pt/doc/article/view/720
Kracauer, S. Theory of Film: the Redemption of Physical Reality. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1997[1960].
Lefebvre, M. (org.). Landscape and Film. London: Routledge, 2006.
Marques, B. F.. A herança natural do mito original: Arne Sucksdorff, natureza e vida selvagem. Trabalho de Conclusão de curso UFF, 2014.