Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Lucas Procopio de Oliveira Tolotti (ESPM)

Minicurrículo

    Doutor em Artes (USP). Mestre em Estética e História da Arte (USP). Professor dos cursos de Cinema e Audiovisual e Comunicação e Publicidade da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM/SP). Curador independente de artes visuais.

Ficha do Trabalho

Título

    O corpo cindido da histeria: uma questão psicanalítica em A Substância

Resumo

    A partir do filme “A Substância” (2024), esta comunicação propõe uma articulação entre cinema e psicanálise, a partir do conceito de histeria. Este termo é pensado não como diagnóstico, mas como estrutura ética e estética. A duplicação corporal, o gozo do próprio corpo pela imagem e pelo excesso apontam para um cinema que discute o sintoma. O corpo feminino, cindido e teatralizado, torna-se cena do desejo e da violência, atualizando a lógica histérica proposta por Freud no início da psicanálise.

Resumo expandido

    Em “A Substância” (2024, dir. Coralie Fargeat), acompanhamos Elizabeth (Demi Moore), uma atriz em decadência que, prestes a ser substituída em seu programa de televisão, entra em contato com um procedimento estético apresentado apenas como A Substância. Ao se aplicar esta substância, Elizabeth dá origem a uma outra parte de si mesma, mais jovem. Com o nome de Sue (Margareth Qualley), este duplo da atriz acaba conquistando seu lugar nos espaços midiáticos. Porém, há um equilíbrio que precisa se manter estável: a cada semana, Elizabeth e Sue precisam alternar de lugar, já que o uso errado da substância pode causar danos de proporções desastrosas.

    Neste sentido, o filme de Fargeat irá explorar as relações entre corpo e sua espetacularização na mídia. A partir do body horror, várias camadas de discussão são pensadas e articuladas frente à um ideal de perfeição, perenidade da juventude, desejo e etarismo. A presente comunicação pretende, a partir do estudo comparativo do cinema com a psicanálise, traçar uma relação entre o filme “A Substância” e a histeria, tendo o corpo como eixo central de discussão.

    Apesar de já figurar na antiguidade com Hipócrates, é da metade para o final do século XIX que a histeria se consolida como objeto clínico privilegiado da medicina e da nascente psicanálise. Figuras como o médico Jean-Martin Charcot, no hospital Salpêtrière, em Paris, adensaram o tratamento desta condição, muitas vezes a partir da hipnose. Importante ressaltar que grande parte das pacientes eram mulheres tomadas por sintomas como paralisias, afasias e amnésias, e a hipnose, a partir da sugestão do médico, era considerada uma das maneiras mais eficazes para controle dos sintomas. É neste momento que entram os nomes de Sigmund Freud e Joseph Breuer. O primeiro, inclusive, deriva sua abordagem de tratamento da histeria pensando a própria fala sintomática ao invés da hipnose (a partir de relatos de Breuer sobre sua paciente, Anna O.), possibilitando o surgimento do que viria a ser o método psicanalítico.

    Assim, entende-se o corpo não apenas em sua dimensão orgânica, mas em sua dimensão psíquica, pois o sintoma histérico revela algo reprimido no inconsciente, algo intimamente ligado à sexualidade. Em outras palavras, a representação erótica é recalcada no inconsciente, mas o afeto ligado à esta representação circula, é desviado para o corpo, convertendo-se em sintoma histérico. A histeria irá assumir diversas formas e possibilidades ao longo do século XX e XXI, principalmente se considerarmos o corpo constituído como um cenário de desejos do inconsciente, um modo fértil de pensamento frente às formas de inscrição e reprodução destes desejos na contemporaneidade.

    Dessa forma, podemos pensar o filme “A Substância” ligado à histeria, mas não para pensar somente a histeria enquanto sintoma das personagens. Isso acarretaria uma visão reducionista do filme e da própria histeria. O que se almeja com esta comunicação é pensar a histeria enquanto estrutura possível de análise frente a uma narrativa fílmica que pensa o corpo cindido, a pele, a carne, e a própria teatralização deste corpo – algo que na histeria é pensando, por exemplo, por Didi-Huberman (2015).

    Como referencial teórico, além do já citado, para pensar a histeria as obras de Breuer e Freud (1895), Alonso e Fuks (2023), Bollas (2000), dentre outros, serão fundamentais. Além disso, estreitando os campos com o cinema, imprescindíveis os textos de Mulvey (2018), de Guimarães e Miranda (2013) e Rivera (2006). Por fim, adensando a questão de gênero junto ao excesso estético e carnal de “A Substância”, Kristeva (1982) e De Lauretis (1989) ajudam a compor a paisagem bibliográfica.

Bibliografia

    ALONSO, Silvia L.; FUKS, Mario P. Histeria. Belo Horizonte: Artesã, 2023.
    BOLLAS, Christopher. Hysteria. São Paulo: Escuta, 2000.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Invenção da histeria: Charcot e a iconografia fotográfica da Salpêtrière. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.
    DE LAURETIS, Teresa. Technologies of Gender: Essays on Theory, Film and Fiction Bloomington: Indiana University Press, 1989.
    FREUD, S.; BREUER, J. [1895]. Obras completas, volume 2. São Paulo: Cia. das letras, 2016.
    GUIMARÃES, Gustavo Coura; MIRANDA, Cassio Eduardo Soares. A histeria e o cinema: mitos e verdades. Ecos. Campos dos Goytacazes, v. 3, n. 2, 2013.
    KRISTEVA, Julia. Powers of horror: an essay on abjection. Nova York: Columbia Press, 1982.
    MULVEY, Laura. Prazer visual e cinema narrativo. In: XAVIER, I. (Org.). A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.
    RIVERA, Tania. Vertigens da imagem. Sujeito, cinema e arte. In: RIVERA, T.; SAFATLE, V.. Sobre arte e psicanálise. São Paulo: Escuta, 2006.