Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Lisandro Nogueira (ufg)

Minicurrículo

    Lisandro Nogueira: professor de História e Teoria do Cinema na Universidade Federal de Goiás, desde 1989. Diretor da Cinemateca Brasileira (2013/2015). Pós-doutorado pela ECA/USP. Membro programa Artes, Cultura e Tecnologia do Midia Lab da UFG.
    Autor do livro “O autor na TV” (Edusp).

Ficha do Trabalho

Título

    O Melodrama e a Imaginação Melodramática em “Ainda Estou Aqui”.

Resumo

    O filme “Ainda estou aqui” (Walter Salles) é emblemático para pensar o conceito de Imaginação Melodramática (Peter Brooks) para além do conceito tradicional de Melodrama. Broks trabalha com a ideia de que há uma verdade moral escondida sob a superfície da realidade — e que a narrativa deve desvelar essa verdade, por meio de revelações, julgamentos e dramatizações. Ao rechaçar a ideia simples e dual do Bem contra o Mal (autênticos contra cínicos), o filme confirma a ideia de Brooks.

Resumo expandido

    “Ainda Estou Aqui” se apresenta como um exemplo dessa perspectiva inovadora para o melodrama. Em vez de propor um embate claro entre personagens bons e maus, o filme rejeita a abordagem maniqueísta e aponta para um sentido mais complexo que atravessa as fronteiras entre Melodrama e Imaginação Melodramática. Ele explora a densidade psicológica da personagem principal revelando a dura experiência humana,
    Não há heróis nem vilões evidentes, características do melodrama tradicional, mas sim sujeitos marcados por dor, memória e desejo de justiça, em uma narrativa marcada por revelações subjetivas que exigem do espectador um olhar mais efetivo.
    O ponto central do filme é, assim, o de desvelar sentidos profundos sob a superfície banal da existência — exatamente como propõe Brooks. O melodrama, nesse caso, não se configura como um “fonte de lágrimas”, mas como narrativa crítica e poética capaz de acessar o que está oculto: a dor histórica, o trauma pessoal e a constatação racional de uma tragédia histórica.
    Ao afastar-se do esquema moralizante tradicional (autênticos versus cínicos, o bem contra o mal), Walter Salles constrói uma narrativa que atualiza e renova o valor do melodrama como forma moderna de pensamento moral, alinhando-se à proposta de Brooks.

    Por outro lado, minha pesquisa e analise do filme “Ainda estou aqui” propõe mostrar que além da abordagem da ditadura militar estampada na narrativa, que eu chamo de “tema interno”, temos o “tema universal” – a mulher que se vê obrigada a cuidar e manter sua família.
    A minha hipótese para o sucesso estrondoso do filme para além da fronteira, em vários países que não conhecem bem a história recente do Brasil, é seu “tema universal”. Ao afastar a ideia simples do melodrama tradicional que valoriza o embate entre o bem e o mal, o filme se aproxima do conceito de Imaginação Melodramática.
    A personagem de Eunice (Fernanda Torres) é edificada com densidade para enfrentar a adversidade sem recorrer a uma autoridade transcendente. Ela vai reinscrever o significado da tragédia familiar na vida concreta. Ao afastar o sentimento de mera vingança, postulado atávico do melodrama, ela vai buscar a justiça e a verdade no “oculto moral” (Brooks).
    Essa verdade ou moral oculta está presente nos gestos e ações da personagem de Eunice. E seus gestos e ações mostram uma personagem que dialoga, ao mesmo tempo, com o “tema interno”, a ditadura, e o tema “externo”, universal, de pessoas que enfrentam os óbices e os diversos traumas da vida (milhares de brasileiras mães).

    Nesse sentido, o filme insiste na legibilidade moral das ações sem fazer o derrame emocional, o excesso, próprio de um melodrama tradicional. A “moral oculta” tende a vir à tona sem a obrigação do fórceps lacrimoso ansioso pelo efeito imediato no espectador. Daí uma diferença clara entre o Melodrama e a Imaginação Melodramática. Não temos aqui heroína virtuosa e nem um final redentor.
    Como exemplo: “Ainda estou aqui”, em comparação, se distancia do clássico “Tudo o que é o céu permite”, de Douglas Sirk. O filme de Sirk, mesmo com toda elaboração acima dos padrões do melodrama tradicional, ainda se alinha ao “excesso” melodramático nos cenários, iluminação, trilha sonora que reforçam um tom bastante emotivo.
    Outro ponto que saliento é que o filme “Ainda estou aqui” corrobora a ideia de que melodrama não é um gênero, é um modo de representar a realidade presente em todos os gêneros. Podemos assim afirmar que o filme se aproxima muito mais de filmes como “O homem elefante”, de David Lynch, do que melodramas mais comuns.

    Em outras palavras, o que pretendo é mostrar as diferenças que nos aconselham a abordar os filmes, analisa-los, sob o farol da Imaginação Melodramática. Assim não vamos sucumbir ao costume atávico e, de certo modo, ultrapassado, de utilizar o maniqueísta e limitado o bem (os autênticos) contra o mal (os cínicos).
    A complexidade do mundo exige uma nova carpintaria analítica para tentar compreendê-lo.

Bibliografia

    BROOKS, Peter. The Melodramatic Imagination: Balzac, Henry James, Melodrama, and the Mode of Excess. New Haven: Yale University Press, 1995.

    GOLDBERG, Jonathan. Melodrama: An Aesthetics of Impossibility. Durham: Duke University Press, 2016.

    GLEDHILL, Christine; WILLIAMS, Linda (ed.). Melodrama Unbound: Across History, Media, and National Cultures. New York: Columbia University Press, 2018.

    HUNTER, Ian (ed.). The Cambridge Companion to English Melodrama. Cambridge: Cambridge University Press, 2021.

    HUpes, Ivete. Melodrama. O Gênero E Sua Permanência. São Paulo: Atêlie Editorial, 2001.

    Nogueira, Lisandro. O autor na TV. São Paulo: Edusp/UFG, 1997