Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Mateus Araujo Silva (ECA-USP)

Minicurrículo

    Mateus Araújo é doutor em filosofia (Sorbonne/ UFMG), professor de cinema na ECA-USP, ensaísta e tradutor. Organizou ou co-organizou os livros Glauber Rocha / Nelson Rodrigues (2005), Jean Rouch 2009: Retrospectivas e Colóquios no Brasil (2010), Straub-Huillet (2012), Charles Chaplin (2012), Jacques Rivette (2013), Godard inteiro ou o mundo em pedaços (2015), O cinema interior de Philippe Garrel (2018), Glauber Rocha: crítica esparsa (2019) e Glauber Rocha: O Nascimento dos deuses (2019).

Ficha do Trabalho

Título

    José Celso cineasta e seu diálogo com Glauber Rocha

Seminário

    Estudos Comparados de Cinema

Resumo

    Levando a sério a importância do cinema na carreira de José Celso Martinez Correia (na qual fez roteiros, dirigiu filmes, escreveu projetos), a comunicação aborda em seu trabalho de cineasta o marcante diálogo artístico com Glauber Rocha, largamente ignorado por sua fortuna crítica. Atentaremos, nos itinerários paralelos dos dois artistas (cheios de interrelações), para o modo como eles mesmo o comentaram, e cuidaremos sobretudo de explorar sua presença nos filmes de Zé.

Resumo expandido

    Ninguém ignora a importância do cinema na formação e no trabalho artístico de Zé Celso (1937-2023). Em alguns depoimentos, ele indica seu gosto por cinema desde a juventude, traduzido em iniciativas propriamente cinematográficas do Oficina dos anos 1970 em diante (nas quais fez roteiros, dirigiu filmes, escreveu projetos), e na integração posterior da imagem em movimento ao trabalho teatral do grupo. Esta relação do teatro com o cinema no itinerário de Zé permanece pouco comentada na sua fortuna crítica e, nesta, ainda menos discutido é seu marcante diálogo artístico com Glauber Rocha (1939-1981). Vamos abordá-lo aqui, atentando, em seus itinerários paralelos, para o modo como eles mesmo o comentaram, e explorando sua presença nos filmes de Zé.
    Artistas exponenciais do cinema e do teatro mais exigentes dos anos 60 para cá no Brasil, os dois pertenceram à mesma geração, tinham quase a mesma idade e percorreram itinerários biográficos com semelhanças dignas de nota, apesar da precocidade maior de Glauber, e da longevidade muito maior de Zé. Ainda na juventude, ambos tiveram experiências teatrais, Glauber no grupo das Jogralescas (1956-57), Zé num grupo de teatro da sua Faculdade, antes de estrear nos palcos e de fundar o Teatro Oficina em 1958. Cedo, os dois se projetaram na esfera pública, Glauber como crítico de cinema desde 1957 e depois cineasta, Zé como autor e diretor teatral desde os inícios do Oficina. Ambos conheceram, ainda jovens, um grande triunfo artístico, Zé com a montagem de Os Pequenos burgueses, de Máximo Gorki, estreada em agosto de 1963, Glauber com o lançamento de Deus e o Diabo na terra do sol (filmado no segundo semestre de 1963, finalizado e lançado em 1964). Criadas em plena luta pelas reformas de base sob o janguismo, as duas obras tinham a revolução como horizonte, voltando à Rússia czarista ou ao Brasil do fim do século 19 a meados de 1940 para descrever uma realidade social suplantada pela Revolução de 1917 ou a suplantar por uma revolução socialista almejada pelas forças à esquerda no Brasil janguista.
    A montagem de Os Pequenos burgueses conheceu um imenso sucesso de público e foi considerada como o “mais perfeito espetáculo brasileiro concebido na linha realista” (Sábato Magaldi e Maria Tereza Vargas), ou como “sua obra prima do teatro realista” (Luiz Carlos Maciel). Deus e o Diabo também conheceu um relativo sucesso de público, e foi considerado pela melhor crítica como o filme talvez mais importante já feito no Brasil até então. As duas obras, portanto, quase simultaneamente, cristalizaram os resultados de um primeiro ciclo de trabalhos do Teatro Oficina e do cinema de Glauber, num nível de excelência artística largamente reconhecida. Três ou quatro anos depois, num novo salto praticamente simultâneo, os dois produziram duas obras paralelas que marcaram uma inflexão radical no seu próprio trabalho e nos rumos da arte brasileira: Terra em Transe, filmado em 1966, finalizado no ano seguinte e lançado em 8/5/1967; O Rei da Vela, montagem do texto de Oswald de Andrade de 1933, estreada em 17/9/1967. A montagem do Oficina foi dedicada a Terra em Transe (Zé dirá, pouco depois, ter sido “violentamente influenciado por Terra em Transe”), reconhecendo e explicitando ali um diálogo entre o trabalho de nossos dois artistas que prosseguiria nos anos seguintes. Nos limites da brevidade do formato da Socine, discutiremos tal diálogo em aspectos da montagem de 1967 e em filmes de Zé – Prata Palomares (André Farias, 1970, roteiro de Zé), O Parto (Zé & Celso Lucas, 1975), 25 (Zé e Celso Lucas, 1976) e O Rei da Vela (Zé e Noilton Nunes, 1983). Pontualmente, apontaremos também seus indícios em alguns gestos e posturas da intervenção cultural de Zé – sua adoção da ortografia extravagante (cheia de y e z) usada por Glauber no rastro de Euclides da Cunha, e sua postura corporal igualmente extravagante em programas de televisão no rastro das performances televisuais de Glauber no programa Abertura de 1978-9.

Bibliografia

    ALMEIDA, Miguel de. Do pre-tropicalismo aos Sertões – Conversas com Zé Celso. São Paulo, Imprensa oficial, 2012.
    ARAUJO, Mateus. “O cinema de José Celso e seu diálogo com Glauber Rocha”. In: LEAL, Claudio (Org.). O devorador Zé Celso, arte e vida. São Paulo, Edições SESC, 2025.
    CORRÊA, Zé Celso Martinez. “Isso que eu queria, luz e gozo”. Entrevista a Mario Mendes, Interview, n.41, agosto 1981.
    ______. Primeiro Ato: Cadernos, Depoimentos, Entrevistas (1958-1974), São Paulo, Ed. 34, 1998.
    ______. Du Théâtre au cinéma. Bobigny: Magic Cinéma, 2005.
    ______ et al. Cinemação. São Paulo, Cine-Olho / Te-Ato Oficina, 1980.
    LOPES, Karina & COHN, Sérgio. Zé Celso Martinez Correa – Encontros. Rio: Azougue, 2008.
    MACIEL, Luiz Carlos. Geração em transe: Memórias do tempo do tropicalismo, Rio, Nova Fronteira, 1996.
    ROCHA, Glauber. “A mensagem de amor” [sobre os 20 anos do Tropicalismo], Veja, 23/11/1977.
    ______. Revolução do Cinema Novo. Rio, Embrafilme, 1981 [reedição CosacNaify, 2004].