Ficha do Proponente
Proponente
- Maria Angélica Del Nery (ECA-USP)
Minicurrículo
- Maria Angélica Del Nery (São Paulo, 1964). Cineasta, fotógrafa, artista visual. Doutoranda no PPGMPA-ECA-USP; mestre em Artes (PPGAV-ECA-USP; 2017); pós-graduada em Fotografia (FAAP; 2014). Principais trabalhos em direção de filmes: Urucuia; Livro para Manuelzão; Turista Aprendiz; Exercícios do Olhar; Um. Principais publicações em fotografia: Brasil da Sanfona; Violeiros do Brasil; Povos de São Paulo; Presença. Exposições recentes: Sala Devir Cinema; Tempo Permanência Carnaval.
Ficha do Trabalho
Título
- Efeito-cinema infratênue: do estático ao movimento em 2 ensaios fotográficos de Rineke Dijkstra
Resumo
- Poderiam os ensaios fotográficos Almerisa (1994-) e Oliver (2000-03), de Rineke Dijkstra, fornecerem uma experiência cinematográfica? Quando tomamos a sequência dos retratos (campo visível da imagem) e o espaço vazio entre os instantâneos (campo invisível da imagem), um efeito-cinema infratênue pode ser percebido como imagem mental. A partir dos escritos de Aumont, Belting, Bellour, Dubois e Duchamp, propõem-se analisar a travessia infratênue entre imobilidade e mobilidade, fotografia e cinema.
Resumo expandido
- Os ensaios fotográficos Almerisa (1994-) e Oliver (2000-03), de Rineke Dijkstra, têm como fundamento uma mesma estratégia: fotografar uma pessoa no curso de anos, na mesma pose e nas mesmas condições gerais de enquadramento, luz e ambiência. Com a permanência da forma no correr do tempo nos aproximamos da pessoa retratada em um jogo de repetição e diferença, e no vai-e-vem do olhar alcançamos visualizar as mudanças que o tempo e os acontecimentos lhe imprimiram. Mas seria só o campo visível da imagem que está em jogo nesses ensaios? O que dizer do espaço vazio entre as fotografias? Em minha pesquisa de doutorado (Travessia infratênue: efeitos de imagens entre a imobilidade e a mobilidade) analisei o ensaio fotográfico Almerisa como uma obra capaz de propiciar uma experiência cinematográfica. A presente proposta consiste em ampliar aquele estudo para incluir a análise do ensaio fotográfico Oliver, construído a partir da mesma operação poética.
Em 1994, Rineke Dijkstra fotografou Almerisa Sehric aos 5 anos em um asilo para refugiados da Bósnia. Dois anos depois, Dijkstra procurou a menina e fez um segundo retrato em que repetia a mesma cena: Almerisa no centro do quadro, sentada em uma cadeira, em um espaço esvaziado, com uma luz neutra. De 1994 até 2018 o ensaio Almerisa compreende 16 retratos e permanece aberto ao futuro. O ensaio Oliver (2000-03) é composto por sete retratos de Oliver Silva. No primeiro retrato vemos Oliver no dia que ingressa na Legião Estrangeira das Forças Armadas Francesas, com 17 anos; no segundo retrato, feito no mesmo dia, ele está com o cabelo raspado e veste uma farda; no terceiro retrato o vemos em uniforme de combate com um ferimento no rosto; e nos próximos quatro retratos acompanhamos sua transformação pessoal, onde os uniformes, as patentes e seu semblante nos dizem do tempo vivido.
Quantas temporalidades cada ensaio fotográfico propicia? Diante das imagens nosso olhar vê passados e futuros em diálogo, vemos o “isto foi” (Barthes) faceando o futuro “aninhado” nas imagens (Benjamin), presenciamos o corte no contínuo (Dubois) e pensamos sobre a espera do fotógrafo (Lissovsky), mas, além disso, vemos, também, se restituir a duração. No espaço vazio, na elipse entre imagens, lá onde aconteceu o movimento contínuo da vida, encontramos a duração bergsoniana. A fruição dessas obras abarca o campo e o fora-de-campo das imagens, o visível e o espaço vazio onde o visível se expande e para onde migra nossa imaginação. Jacques Aumont, ao tratar das imagens que se apresentam em série, compreende a articulação entre elas como uma atividade mental do espectador, um efeito cognitivo quase inconsciente (2004, p. 95). Hans Belting afirma a interação contínua entre a imagem (representação externa), o meio (vetor, agente ou dispositivo) e o corpo que a percebe (representação interna) (2014, p.13-14). Nos ensaios Almerisa e Oliver é na imagem mental que acontece o trânsito entre a fotografia e o cinema.
Para abordar o deslizamento entre o movimento e o estático em filmes, vídeos, fotografias e instalações, Raymond Bellour (1997, 1999) e Philippe Dubois (1999) propuseram os termos efeito-cinema, efeito-filme, efeito-foto, efeito-montagem. Para Bellour é “entre as imagens que cada vez mais acontecem passagens, contaminações de seres e de regimes” (1999, p. 10, tradução nossa). Para Philippe Dubois, o efeito-filme é tanto uma questão da imagem quanto do dispositivo, de percepção quanto de intelecção, de sensação quanto de emoção (2021, p.111). Os ensaios Almerisa e Oliver provocam a percepção de um efeito-cinema de qualidade infratênue. Recorro ao termo inframince, inventado por Duchamp, para dizer da travessia sutil, quase imperceptível, que aflora na tensão entre imobilidade e mobilidade, entre instante e duração, visibilidade e invisibilidade, presença e ausência. Imagem e miragem coexistindo como possibilidade (apenas) em uma produção poética que envolve o visível, o espaço vazio, memória e invenção.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. O olho interminável. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BELLOUR, Raymond. Entre-imagens: foto, cinema, vídeo. Campinas: Papirus,1997.
_____. L’Entre-Images 2: mots, images. Paris: P.O.L.,1999.
BELTING, Hans. Antropologia da Imagem. Lisboa: KKYM e EAUM, 2014.
BENJAMIN, Walter. “Pequena história da fotografia”. In: Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1993.
BERGSON, Henri. Memória e vida: textos escolhidos por Gilles Deleuze. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo: Editora 34, 2012.
DIJKSTRA, Rineke. Rineke Dijkstra: A Retrospective. New York: Guggenheim Foundation, 2012.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, SP: Papirus, 2012.
_____. Photographie & Cinéma. Milão; Paris: E. Mimésis, 2021.
DUCHAMP, Marcel. Notes. Paris: Flammarion, 1999.
LISSOVSKY, Maurício. A máquina de esperar. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.