Ficha do Proponente
Proponente
- Estevão de Pinho Garcia (IFG)
Minicurrículo
- Docente do curso de Cinema e Audiovisual do Instituto Federal de Goiás, Câmpus Cidade de Goiás, desde 2015. Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA/USP, mestre em Estudos Cinematográficos pela Universidade de Guadalajara, e bacharel em Cinema pela UFF. Foi professor visitante da UNILA entre 2012 e 2014. Atuante em pesquisas e publicações sobre o cinema latino-americano. Dirigiu e roteirizou O latido do cachorro altera o percurso das nuvens (2005) e Que cavação é essa? (2008).
Ficha do Trabalho
Título
- Sganzerla, Mojica e o cinema brasileiro do futuro
Seminário
- Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas
Resumo
- Entre os mestres ou guias artístico-espirituais de Rogério Sganzerla um deles é o menos lembrado: José Mojica Marins. Lançando mão de um recorte temporal que vai do manifesto Cinema fora-da lei (1968) ao média-metragem Horror Palace Hotel (Jairo Ferreira, 1978) objetivamos analisar como o criador do personagem Zé do Caixão torna-se inspiração, referência e paradigma para o projeto de cinema que Sganzerla almeja realizar e para uma certa percepção visionária de um “cinema brasileiro do futuro”.
Resumo expandido
- Entre os diferentes mestres ou guias artístico-espirituais de Rogério Sganzerla: Oswald de Andrade, Orson Welles, Jimmy Hendrix, Noel Rosa, um é o menos lembrado: José Mojica Marins. Se o criador do personagem Zé do Caixão aparece desde o começo e permanece sendo presença recorrente em textos, manifestos, entrevistas e até em filmes de Sganzerla por que a influência que exerceu sobre ele foi de certa forma negligenciada? Em seu manifesto Cinema fora-da-lei (1968), publicado junto com a exibição de O bandido da luz vermelha, Sganzerla colocou o Cinema Novo e Mojica Marins no mesmo patamar. Endossou uma continuidade entre o seu primeiro longa-metragem e os filmes de Mojica e os do Cinema Novo através da composição de personagens. A equivalência entre os personagens de O bandido da luz vermelha, os do Cinema Novo e Zé do caixão residiria em suas boçalidades. Sganzerla, portanto, havia estabelecido uma linha evolutiva entre o seu filme, os filmes do Cinema Novo e os de Zé do Caixão. Um pouco mais tarde, essa linha se rompe: Mojica permanece em seu panteão e é cada vez mais elogiado ao passo que a outrora admiração pelo Cinema Novo se transforma em rechaço. Compreendendo o final dos anos 1960 como o momento da ruptura de Sganzerla com os cinemanovistas podemos refletir como Mojica reaparecerá em seu discurso sobre o cinema brasileiro. A partir de agora o Cinema Novo não é mais o modelo e sim a filmografia transgressora de Zé do Caixão. Sganzerla, ao elaborar nesse momento o seu discurso sobre o cinema brasileiro, assume uma postura tipicamente vanguardista: rechaça o movimento que lhe é anterior e cria uma tradição na qual poderá utilizar como referência. Mojica Marins é, portanto, o precursor de um cinema bárbaro, sanguinário e selvagem que ele deseja instaurar. Curiosamente, o elogio mais rasgado de Sganzerla a Mojica tornado público nesse início da sua carreira como realizador não surgiu em um texto ou em uma entrevista e sim em um filme. No prólogo do episódio A badaladíssima dos trópicos x os picaretas do sexo dirigido por Carlos Reichenbach para o longa Audácia, Sganzerla, em over, faz uma crítica cinematográfica verbal favorável a Mojica: “José Mojica Marins é a meu ver talvez o único cineasta brasileiro trilhando uma linha absolutamente pessoal e baseada em uma descoberta pessoal […] Mojica então é um cineasta sem compromisso com o cinema contemporâneo moderno e exatamente por isso ele é um cineasta moderno na medida que é um bárbaro radical com grande sentido de poesia, com grande sentido de cinema e com um efeito crítico avassalador diante dos problemas do homem brasileiro, que é um homem recalcado, um homem submisso, um homem pretensioso e um homem dos mil defeitos. Misturando a piadinha infame com o pastel de carne Mojica sugere o cinema brasileiro do futuro, o cinema de diversão e exportação. Um cinema bárbaro, criminal, recalcado que praticamente não tem nada a ver com o que está sendo feito hoje pois estamos vivendo um momento desinteressante da história do cinema brasileiro. Estamos nesse momento entre a chanchada e o cinema brasileiro do futuro que é uma interrogação. Eu tentaria responder essa interrogação acreditando que o novo cinema brasileiro, o cinema que me interessa, o cinema que eu quero fazer será o cinema popular, visionário. Um cinema anti-intelectual.” Sganzerla vê em Mojica “o cinema brasileiro do futuro”. Na busca desse futuro, Sgazerla migra para o Rio de Janeiro, funda a Belair, vai para o exílio europeu, retorna ao Brasil e, com dificuldade, tenta realizar o seu cinema. Nesse percurso Mojica não sai do horizonte: reaparece em seu filme Abismu (1977) e no filme do amigo Jairo Ferreira, Horror Palace Hotel (1978), em que Sganzerla participa como entrevistador. Fazendo-se de repórter procura desvendar e compreender o significado de “gênio” e, mais uma vez, realiza uma “transfusão de sangue” com o mestre do horror.
Bibliografia
- SGANZERLA, Rogério. Edifício Rogério [textos críticos 1 e 2]. DE LIMA, Manoel Ricardo; RODRIGUES MEDEIROS, Sérgio Luiz (Orgs.). Florianópolis: Editora da UFSC, 2010.
___________________. Manifesto Cinema fora-da-lei, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º de junho de 1968.
____________________. Por um cinema sem limite. Rio de Janeiro: Azougue, 2001.
______. Projeto Rogério Sganzerla. IGNEZ, Helena; DRUMOND, Mario (Orgs.). Joinville: Letra d’água, 2005.
____________________. Rogério Sganzerla – Encontros. CANUTO, Roberta (Org.). Rio de Janeiro: Azougue, 2007.
VIANY, Alex. O processo do Cinema Novo. AVELLAR, José Carlos (Org.). Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999.