Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriela Machado Ramos de Almeida (ESPM-SP)

Minicurrículo

    Gabriela Almeida é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP. Doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA. Coordenadora do grupo de pesquisa Sense – Comunicação, consumo, imagem e experiência (CNPq/ESPM). Integrou a diretoria da Socine na gestão 2019-2021.

Ficha do Trabalho

Título

    Escreva, é tudo que me resta: Experiência, imagem e escrita em Notícias de casa e A cidade solitária

Resumo

    O trabalho coloca em relação o filme Notícias de casa (1977), de Chantal Akerman, e o livro A cidade solitária (2017), de Olivia Laing, para discutir os modos como as artistas elaboram esteticamente a experiência da solidão nessas obras. Busco investigar relações entre imagem, palavra, alteridade e práticas de escrita em primeira pessoa (o ensaio e a carta), em um livro e um filme em que as autoras acionam uma dimensão radical de alteridade para narrar vivências na cidade de Nova Iorque.

Resumo expandido

    No primeiro plano de Notícias de casa (1977), da cineasta belga Chantal Akerman, temos uma atmosfera construída a partir de uma imagem da cidade de Nova Iorque que voltará a se repetir, com poucas variações, ao longo de todo o filme: um plano aberto mostra uma rua aleatória filmada em um dia nublado, com edifícios em variações de marrom e cinza e nenhum interesse especial; alguns carros passando; poucas pessoas e, bem ao fundo, um vago som de trânsito. O ano é 1976 e Akerman está morando em Nova Iorque pela segunda vez, após uma temporada na cidade entre 1971 e 1972.
    Na Nova Iorque filmada pela cineasta, quase nunca há gente na rua, muitos comércios estão fechados, as janelas dos prédios idem, o trânsito parece calmo, o metrô é movimentado. Os planos longos e parados de uma cidade pouco vibrante constroem uma ambientação melancólica bastante distante do imaginário do senso comum. Passados seis minutos de filme, começamos a ouvir a própria cineasta narrar, em tom monocórdico, cartas que recebeu de sua mãe, enviadas desde a Bélgica, que dão notícias da vida da família e, entre a cobrança excessiva e a preocupação, pedem notícias da filha.
    Em momento algum acessamos as cartas que a cineasta enviou à família durante o período, e tudo que delas sabemos é o que a mãe comenta pontualmente e Akerman filtra/lê/narra: o dinheiro é curto, ela consegue alguns trabalhos, há parentes que vivem na cidade mas não é sua intenção encontrá-los e, principalmente, a filha parece sozinha e escreve pouco para a mãe. O que depreendemos inicialmente, incluindo uma banalidade quase irritante, se dá a partir da articulação entre as cenas sempre externas do espaço da cidade filmadas por Akerman e as impressões sobre sua vida emitidas por sua mãe nessas cartas. Nenhuma das duas aparece em imagens no filme, e a dificuldade dessa relação vai mostrando sua complexidade na duração do longa, chegando ao ponto em que a narração das cartas da mãe é sobreposta pelo som ambiente da cidade e do trânsito, como se as palavras fossem deliberadamente abandonadas, apagadas pelos sons da cidade. Em sua carta mais angustiada, a mãe diz: “Escreva, é tudo que me resta”.
    Em A cidade solitária, Olivia Laing elabora sua própria experiência de solidão em Nova Iorque – para onde se muda, vindo da Inglaterra, em função de um relacionamento que logo se desfaz – articulando-a às trajetórias de artistas homens e mulheres muito conhecidos por seu vínculo com a cidade e pela vida e obra marcadas pela solidão e/ou pela melancolia, como Edward Hopper, Billie Holiday, Valerie Solanas, Basquiat, Peter Hujar, David Wojnarowicz, Nan Goldin e Zoe Leonard.
    Antes de afirmar que todas essas pessoas foram “habitantes permanentes da solidão” (LAING, 2017, p. 14), o que a autora propõe como sugestão de forma transversal, nos oito ensaios que compõem o livro, é pensarmos o modo como as obras desses e dessas artistas demonstram uma atenção aos abismos entre as pessoas e à “solidão como um lugar povoado” por experiências muito diversas que, nesses casos que a interessam, envolveram sexo, doenças e abusos de várias ordens.
    Esse trabalho integra um projeto de pesquisa mais amplo que investiga relações entre escrita e imagem nas obras de cineastas e escritores/as para os quais a noção de experiência é central. A proposta é pensar os modos como Akerman e Laing, a partir de dispositivos distintos, constroem obras em que se narram ensaísticamente a partir do trabalho com a palavra e a imagem suas e de outros, acionando uma dimensão radical de alteridade traduzida em poéticas de imensa beleza. No caso de Akerman, suas imagens e as palavras da mãe. No caso de Laing, suas palavras e as imagens e obras dos artistas de que se ocupa. Se Laing define seu livro como um “mapa da solidão”, em que medida o filme de Akerman nos ajuda a navegar por esse mapa? Aposto na produtividade de pensar a solidão como experiência estética a partir da vivência com a paisagem e o espaço da cidade nas obras dessas duas artistas.

Bibliografia

    ALMEIDA, Gabriela. O ensaio fílmico ou o cinema à deriva. São Paulo: Alameda, 2018.
    LAING, Olivia. A cidade solitária. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2017.
    LAING, Olivia. Funny weather. Art in an Emergency. Nova Iorque: W.W. Norton & Company, 2020.
    LOPES, Denilson. Experiência e escritura. In: LOPES, Denilson. O Homem que Amava Rapazes e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002.
    MARGULIES, Ivone. Nada Acontece: O Cotidiano Hiper-realista de Chantal Akerman. São Paulo: Edusp, 2016.
    PINTO, Júlio Pimentel. Sobre literatura e história: como a ficção constrói a experiência. São Paulo: Companhia das Letras, 2024
    SCOTT, Joan. Experiência. In: SILVA, Alcione Leite; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira (Orgs.). Falas de Gênero. Santa Catarina: Editora Mulheres, 1999.