Ficha do Proponente
Proponente
- Gabriela Machado Ramos de Almeida (ESPM-SP)
Minicurrículo
- Gabriela Almeida é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP. Doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA. Coordenadora do grupo de pesquisa Sense – Comunicação, consumo, imagem e experiência (CNPq/ESPM). Integrou a diretoria da Socine na gestão 2019-2021.
Ficha do Trabalho
Título
- Escreva, é tudo que me resta: Experiência, imagem e escrita em Notícias de casa e A cidade solitária
Resumo
- O trabalho coloca em relação o filme Notícias de casa (1977), de Chantal Akerman, e o livro A cidade solitária (2017), de Olivia Laing, para discutir os modos como as artistas elaboram esteticamente a experiência da solidão nessas obras. Busco investigar relações entre imagem, palavra, alteridade e práticas de escrita em primeira pessoa (o ensaio e a carta), em um livro e um filme em que as autoras acionam uma dimensão radical de alteridade para narrar vivências na cidade de Nova Iorque.
Resumo expandido
- No primeiro plano de Notícias de casa (1977), da cineasta belga Chantal Akerman, temos uma atmosfera construída a partir de uma imagem da cidade de Nova Iorque que voltará a se repetir, com poucas variações, ao longo de todo o filme: um plano aberto mostra uma rua aleatória filmada em um dia nublado, com edifícios em variações de marrom e cinza e nenhum interesse especial; alguns carros passando; poucas pessoas e, bem ao fundo, um vago som de trânsito. O ano é 1976 e Akerman está morando em Nova Iorque pela segunda vez, após uma temporada na cidade entre 1971 e 1972.
Na Nova Iorque filmada pela cineasta, quase nunca há gente na rua, muitos comércios estão fechados, as janelas dos prédios idem, o trânsito parece calmo, o metrô é movimentado. Os planos longos e parados de uma cidade pouco vibrante constroem uma ambientação melancólica bastante distante do imaginário do senso comum. Passados seis minutos de filme, começamos a ouvir a própria cineasta narrar, em tom monocórdico, cartas que recebeu de sua mãe, enviadas desde a Bélgica, que dão notícias da vida da família e, entre a cobrança excessiva e a preocupação, pedem notícias da filha.
Em momento algum acessamos as cartas que a cineasta enviou à família durante o período, e tudo que delas sabemos é o que a mãe comenta pontualmente e Akerman filtra/lê/narra: o dinheiro é curto, ela consegue alguns trabalhos, há parentes que vivem na cidade mas não é sua intenção encontrá-los e, principalmente, a filha parece sozinha e escreve pouco para a mãe. O que depreendemos inicialmente, incluindo uma banalidade quase irritante, se dá a partir da articulação entre as cenas sempre externas do espaço da cidade filmadas por Akerman e as impressões sobre sua vida emitidas por sua mãe nessas cartas. Nenhuma das duas aparece em imagens no filme, e a dificuldade dessa relação vai mostrando sua complexidade na duração do longa, chegando ao ponto em que a narração das cartas da mãe é sobreposta pelo som ambiente da cidade e do trânsito, como se as palavras fossem deliberadamente abandonadas, apagadas pelos sons da cidade. Em sua carta mais angustiada, a mãe diz: “Escreva, é tudo que me resta”.
Em A cidade solitária, Olivia Laing elabora sua própria experiência de solidão em Nova Iorque – para onde se muda, vindo da Inglaterra, em função de um relacionamento que logo se desfaz – articulando-a às trajetórias de artistas homens e mulheres muito conhecidos por seu vínculo com a cidade e pela vida e obra marcadas pela solidão e/ou pela melancolia, como Edward Hopper, Billie Holiday, Valerie Solanas, Basquiat, Peter Hujar, David Wojnarowicz, Nan Goldin e Zoe Leonard.
Antes de afirmar que todas essas pessoas foram “habitantes permanentes da solidão” (LAING, 2017, p. 14), o que a autora propõe como sugestão de forma transversal, nos oito ensaios que compõem o livro, é pensarmos o modo como as obras desses e dessas artistas demonstram uma atenção aos abismos entre as pessoas e à “solidão como um lugar povoado” por experiências muito diversas que, nesses casos que a interessam, envolveram sexo, doenças e abusos de várias ordens.
Esse trabalho integra um projeto de pesquisa mais amplo que investiga relações entre escrita e imagem nas obras de cineastas e escritores/as para os quais a noção de experiência é central. A proposta é pensar os modos como Akerman e Laing, a partir de dispositivos distintos, constroem obras em que se narram ensaísticamente a partir do trabalho com a palavra e a imagem suas e de outros, acionando uma dimensão radical de alteridade traduzida em poéticas de imensa beleza. No caso de Akerman, suas imagens e as palavras da mãe. No caso de Laing, suas palavras e as imagens e obras dos artistas de que se ocupa. Se Laing define seu livro como um “mapa da solidão”, em que medida o filme de Akerman nos ajuda a navegar por esse mapa? Aposto na produtividade de pensar a solidão como experiência estética a partir da vivência com a paisagem e o espaço da cidade nas obras dessas duas artistas.
Bibliografia
- ALMEIDA, Gabriela. O ensaio fílmico ou o cinema à deriva. São Paulo: Alameda, 2018.
LAING, Olivia. A cidade solitária. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2017.
LAING, Olivia. Funny weather. Art in an Emergency. Nova Iorque: W.W. Norton & Company, 2020.
LOPES, Denilson. Experiência e escritura. In: LOPES, Denilson. O Homem que Amava Rapazes e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002.
MARGULIES, Ivone. Nada Acontece: O Cotidiano Hiper-realista de Chantal Akerman. São Paulo: Edusp, 2016.
PINTO, Júlio Pimentel. Sobre literatura e história: como a ficção constrói a experiência. São Paulo: Companhia das Letras, 2024
SCOTT, Joan. Experiência. In: SILVA, Alcione Leite; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira (Orgs.). Falas de Gênero. Santa Catarina: Editora Mulheres, 1999.