Ficha do Proponente
Proponente
- Diego Paleólogo Assunção (UERJ)
Minicurrículo
- Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na Faculdade de Comunicação Social. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UERJ. Pós-doutorado em Comunicação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Pós-doutorado em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisa nas seguintes áreas: narrativas de terror e horror a partir de perspectivas sexo-políticas; cultura pop, produção de sentido.
Coautor
- VINICIOS KABRAL RIBEIRO (UFRJ)
Ficha do Trabalho
Título
- A criança cuir cresceu
Resumo
- Esta proposta nasce de uma constelação de ensaios sobre infâncias cuirs e memórias visuais. Investiga, por meio de um vídeo-ensaio, como a frase “a criança cuir cresceu” mobiliza fabulações do presente. A partir de autoetnografias e imagens do cinema e da TV, busca-se mapear repertórios afetivos e estéticos que moldaram desejos e agências. A infância cuir, aqui, não é universal, mas gesto político de ruptura, permanência e reinvenção diante do mundo.
Resumo expandido
- Esta proposição segue as luminescências de textos, artigos e pesquisas anteriores: “Revides infantis”: de quando fomos ao cinema e saímos do armário (2020); Tornar-nos Crianças: Auto/etnografias, cuidados e reparações (2020), desenvolvido em colaboração com Adriana Azevedo; Ensaio sobre vivências: fricções de borboletas (2020); e Sobrevivência das Borboletas (2019). Nessa constelação de ensaios e artigos, realizamos uma cartografia a partir da pergunta (tão material, tão corporal) de Preciado: “Quem defende a criança queer?”, refletindo sobre as formas pelas quais as imagens em movimento contribuem para a criação de linhas de fuga, tanto diante quanto através do nosso arquivo corporal deste mundo.
Ao dialogar com Eve Sedgwick (Como criar filhos gays?), com Donna Haraway e Rosi Braidotti, em busca da capacidade de produzir respostas no e para o presente, com Muñoz, Anzaldúa, Lemebel e outros, as infâncias cuirs se tornam núcleos narrativos que, como um farol, iluminam as energias e a pulsão dessas pesquisas. Nesta proposta, seguimos também essas pensadoras e pensadores, como Vivian Sobchack e Jack Halberstam. Partimos do princípio de que as experiências individuais se coletivizam no encontro, no contágio, nos imaginários e nas vidas que compartilham códigos, signos, metáforas e alegorias, compondo um repertório visual vasto e semovente.
“A criança cuir cresceu” surge, então, de experiências recentes, de episódios que marcam e assombram, mas que também trazem à luz o que antes era invisível, por meio de exercícios de siderações, conversações. Talvez, nas últimas décadas, a criança que fomos tenha desenvolvido ferramentas estético-políticas para habitar e amar no presente.
Foi uma conversa ao telefone. Um em Caldas Novas, o outro em Tiradentes. Ao relatar um episódio, Vinicios disse: “Pois é, mas a criança cuir cresceu”. Essa frase — esse quase slogan, essa anunciação — move poeticamente o passado, desarticula e desarma violências e futuros projetados para os corpos da comunidade LGBTQIA+. A criança queer cresceu. O uso do tempo verbal é crucial, pois se refere a um movimento do passado ao presente, implica continuidade e permanência. Algumas crianças cuirs não cresceram, mas muitas sim. E essas algumas…
O objetivo deste trabalho é a realização de um vídeo-ensaio das memórias do corpo que impulsionaram suas trajetórias para o futuro-presente e se tornaram modulações políticas para pensar, observar e deitar com as imagens do presente.
Quais formas as imagens em movimento do cinema, da televisão, as personagens bichas, afetadas, afeminadas, povoaram os desejos de vida das crianças cuirs? E onde, nesse torvelinho do tempo colapsado, elas se proliferam, se desejam? As personagens da televisão brasileira dos anos 80 e 90, com suas afetações, coragem (não apenas a coragem escrita no roteiro, mas a coragem da entrega) e “moveções” de mundos, constituem uma gramática visual para esse vídeo-ensaio. Vera Verão, Seu Peru, Natasha, Tieta, Rogéria, Xuxa — um contínuo ethos bicha, queer, cuir. Além disso, as imagens do passado se infiltram nas do presente.
O cinema, a cinesia da imagem , em seus devires inalcançáveis, é, por sua vez, a relação cuir/estranhada entre o corpo que assiste e a imagem que se move na tela. É nesse espaço, nesse entre, onde a suspensão se articula e o corpo se afeta, que reside a energia das imagens.
“A criança cuir cresceu” não gera, obviamente, uma resolução dos problemas, conflitos ou violências. É menos a passagem crononormativa do tempo e mais um carregar nas tintas de uma temporalidade queer, espiralada.
Também não se trata, como já foi salientado, de uma “infância queer” universal. Não estamos alheios às particularidades e singularidades que marcam os corpos, as experiências e as sobrevivências.
Sem embargo, a criança cuir crescer implica um gesto político radical diante do mundo; suscita construção e continuidade de repertórios antes p/ “entendidos” e que agora resultam gestos de continuidade e rupturas.
Bibliografia
- BRAIDOTTI, Rosi. Ética afirmativa, futuros sustentáveis. In: GADANHO, Pedro. LAIA, João. VENTURA, Susana. Utopia/Dystopia: a paradigm shift in art and architecture. Milão: Mousse Publishing, 2018.
HALBERSTAM, J. Jack. Wild things: the disorder of desire. Durham: Duke University Press, 2020.
HARAWAY, Donna. Staying with the Trouble: Making Kin in the Chthulucene, Durham: Duke University Press, 2016.
MUÑOZ, José. UTOPÍA QUEER El entonces y allí de la futuridad antinormativa. Caja Negra Editora. audiovisual. Tradução: Hugo Salas. 2020
SEDGWICK, Eve. Como Criar Filhos Gays: o cerco às crianças viadas. Tradução de RIBEIRO, Vinicios; OLIVEIRA, Jefferson. Logos, [S. l.], v. 31, n. 1, 2024. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/logos/article/view/86186
SOBCHACK, Vivian. Carnal Thoughts – embodiment and moving image culture. Berkeley and Los Angeles, University of California Press, 2004.