Ficha do Proponente
Proponente
- Rafael de Campos (UFRGS)
Minicurrículo
- Mestre e doutorando em comunicação pela UFRGS. Membro do GPESC – Grupo de pesquisa em semiótica e culturas da comunicação, no qual integra a linha de pesquisa Agenciamentos da Imagem.
Ficha do Trabalho
Título
- Notas acerca da produção de pensamento sobre a guerra no cinema de ficção
Resumo
- Este trabalho propõe o estabelecimento de uma discussão a respeito do pensamento sobre a guerra produzido no cinema de ficção, com base nos estudos em teoria de cineastas (Graça, Baggio e Penafria, 2015) e a partir de relatos de diferentes realizadores. Investiga-se a possibilidade de um filme produzir pensamento anti-guerra, com um olhar mais atento às questões formais, além de problematizar o próprio conceito de “filme de guerra”, inspirado nas colocações de Paul Virilio (1991).
Resumo expandido
- Este trabalho visa o estabelecimento de uma discussão teórica sobre o pensamento produzido por filmes de guerra. Partindo de falas e escritos de cineastas como Francis Ford Coppola e François Truffaut, abordam-se as seguintes questões: pode um filme produzir pensamento anti-guerra? Quais elementos seriam determinantes? É possível precisar tal questão a partir de um olhar pautado pela forma dos filmes, ao invés de uma avaliação puramente moral e temática? Ademais, busca-se uma problematização do conceito de “filme de guerra” para além da noção de senso comum de “filme que retrata a guerra”, inspirado pelo trabalho de Paul Virilio (1991). Pretende-se trabalhar a partir da abordagem dos estudos em teoria de cineastas (Graça, Baggio e Penafria, 2015), em uma articulação que parte de relatos e escritos de realizadores. Será proposta uma relação de quatro filmes para o início de um mapeamento de formas de produção de pensamento sobre a guerra no cinema de ficção.
Francis Ford Coppola, em entrevista de 2019, afirma que seu filme Apocalipse Now (1979) não é um filme anti-guerra. Para ele, um verdadeiro filme anti-guerra deveria ser “pacífico, harmônico e amoroso”, e não conter cenas que “inspirem desejo de violência”, como ele acredita ser o caso de seu filme. Coppola defende que, se um filme apresenta cenas de batalha como as de Apocalypse Now, não é possível que seja produzido um pensamento anti-guerra – ao contrário, acabaria sendo pró-guerra. Segundo, Coppola acredita que para atingir o pensamento anti-guerra seria necessário construir sensações contrárias àquelas que as guerras produzem.
François Truffaut vai além e afirma não ser possível realizar um filme anti-guerra. Em entrevista de 1973 para o Chicago Tribune, Truffaut defende que todos os filmes sobre guerra, mesmo os que clamam ser contrários, acabam sendo pró-guerra. Para ele, filmes ditos anti-guerra seriam apenas uma crítica a certos homens e não à guerra em geral, e haveria ainda a questão da glorificação: filmes de guerra possuem heróis, e a seu modo enalteceriam seus feitos. Mas será que a representação da violência recai sempre em uma reiteração? Marie José Mondzain (2002) nos lembra que a obra de Leni Riefenstahl, auxiliar do esforço de guerra nazista, era repleta de imagens belas. Assim, tal visão fatalista sobre a representação da violência e merece ser problematizada.
Ademais, o que seria um “filme de guerra”? Autores como Basinger (2003) e Bender (2013) propõem a categoria “combat film” para delimitar um subgênero centrado em cenas de combate, permanecendo restritos ao conteúdo temático. Já Paul Virilio (1991) propõe que um filme de guerra não é apenas aquele que representa combates, mas qualquer obra implicada na maneira como vemos e pensamos o conflito. Para ele, a guerra moderna se define como uma disputa de percepção, em que o controle das imagens é parte da estratégia: a guerra não é só uma disputa de territórios, mas de percepções, e o cinema participa da reorganização dos campos sensíveis.
No entanto, esse deslocamento para a esfera perceptiva não elimina a necessidade de olhar para os filmes e seus modos de operação. Mondzain (2002) é perspicaz ao pensar a imagem de guerra como ato performativo: em tempos de guerras massivamente midiatizadas, a performatividade imagética se intensifica, exigindo uma análise cuidadosa não apenas dos conteúdos, mas da forma como imagens e sons são articulados para produzir efeitos de sentido. Assim, pensar o cinema de guerra passa também por pensar o que as imagens fazem — e o que fazem conosco. Os quatro filmes selecionados — O Franco Atirador (1978), Guerra ao Terror (2008), Tempo de Guerra (1963) e A Harpa da Birmânia (1956) — ilustram algumas das possibilidades de abordagem da guerra no cinema de ficção: da exposição do horror à ação, da representação não convencional à crítica pacifista. A partir desses filmes, propõe-se um delineamento inicial de possibilidades formais a fim de construir um mapeamento mais amplo.
Bibliografia
- BASINGER, J. The World War II Combat Film: Anatomy of a Genre. Middletown: Wesleyan University Press, 2003.
BENDER, S. Film Style and the World War II Combat Genre. Newcastle: Cambridge Scholars Publishing, 2013.
COPPOLA, F. F.; PERRY, K. Francis Ford Coppola: ‘Apocalypse Now is not an anti-war film’. The Guardian. Londres, 2019. Disponível em: https://www.theguardian.com/film/2019/aug/09/francis-ford-coppolaapocalypse-now-is-notan- anti-war-film
GRAÇA, A. R.; BAGGIO, E.; PENAFRIA, M. Teoria dos cineastas: uma abordagem para a teoria do cinema. Revista Científica/FAP, Curitiba, v.12, p. 19-32, jan./jun. 2015
MONDZAIN, Marie-José. L’image, peut-elle tuer?. Paris: Bayard Éditions, 2002.
TRUFFAUT, F. The touch that transcends violence and death. Chicago Tribune. Chicago, Illinois, nov 11, 1973, p. 228. Disponível em: https://www.newspapers.com/article/chicago-tribune-it-is-impossible-to-mak/25124667/
VIRILIO, P. Guerra e Cinema. São Paulo: ed. Página Aberta, 1993.