Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Francisca Caroline Pires da Silva (FFLCH-USP)

Minicurrículo

    Francisca Silva é mestranda do programa de Estudos Literários em Inglês (FFLCH-USP), onde estuda o filme Melancolia, de Lars von Trier, sob orientação do Prof. Dr. Marcos César de Paula Soares. Possui bacharelado e licenciatura em Letras Português e Inglês pela mesma Universidade e é professora de inglês na Escola de Aplicação da FEUSP.

Ficha do Trabalho

Título

    Lars von Trier em Melancolia: Imaginando um novo fim do mundo

Eixo Temático

    ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS

Resumo

    Analisamos a categoria de espaço no filme Melancolia (2011), de Lars von Trier, como modo de narrar o fim do mundo. A obra reelabora o gênero catástrofe incorporando vasto repertório romântico para expor e tensionar visões hegemônicas do futuro. O contraste entre as figurações do apocalipse das cenas inicial e final revela um enquadramento crítico do ponto de vista da protagonista enquanto permite uma reflexão sobre o processo social responsável pela produção da subjetividade que ela expressa.

Resumo expandido

    Esta comunicação apresenta uma leitura do longa-metragem Melancolia (2011), de Lars von Trier. A análise se debruça sobre a categoria de espaço, entendida aqui como um modo de narrar — neste caso, o fim do mundo — que subsume uma percepção do espaço. Buscaremos demonstrar a ligação entre foco narrativo e espaço, destacando como diferentes modos de ver são moldados por experiências de classe, gênero e formação estética. Isso será realizado através de uma comparação entre as figurações apocalípticas das cenas inicial e final.
    A obra do cineasta dinamarquês insere-se na esteira de um ciclo de narrativas de apocalipse social produzidas pela indústria cinematográfica estadunidense na virada do século XX (KELLNER, 2016), distinguindo-se, contudo, por abordar o fim da vida na Terra de maneira singular, rompendo com a fórmula estabelecida por Hollywood para o gênero catástrofe.
    Nesse contexto, Justine [Kirsten Dunst] surge como figura central: como essa personagem — uma mulher, jovem, branca, loira, de classe média, com capital cultural, mas economicamente dependente do trabalho, do casamento ou do cunhado rico, vivendo num país de economia central — imagina o que sejam os problemas do “mundo”? E o que a leva a considerar o fim do mundo uma solução desejável? Que forças sustentam sua visão apocalíptica da história?
    Aqui vale destacar o fato de Justine atuar profissionalmente como redatora publicitária e demonstrar grande familiaridade com o repertório plástico romântico (na cena em que troca as ilustrações no escritório de John), o que parece influenciar a estética das imagens apresentadas no prólogo. Algumas das referências românticas mais explícitas na abertura são, por exemplo, Ophelia (1852) e Filha do Lenhador (1851), de John Everett Millais, e o filme surrealista de Alain Resnais, Last Year at Marienbad (1961).
    Essas questões são relevantes porque a obra estabelece uma tensão entre as categorias “externo” e “interno”. O duplo sentido da palavra “melancolia” entrelaça o cataclismo externo — a colisão inevitável com o planeta homônimo — e o estado interno da protagonista — sua melancolia psíquica/corporal —, sugerindo que o apocalipse se configura como uma construção que articula natureza e subjetividade, sendo esta última socialmente constituída.
    Por fim, é importante destacar que, se por um lado a figuração do apocalipse apresentada no prólogo parece se constituir na imaginação de Justine, por outro, há desde o início uma série de elementos da montagem, enquadramento e estilo de composição que acabam por enquadrar e tensionar o ponto de vista da protagonista. Um exemplo paradigmático disso é a reencenação da colisão dos planetas na cena final, apresentada em um registro distinto daquele imaginado por Justine.
    Assim, compreendemos Melancolia como uma reelaboração do gênero catástrofe a partir de um repertório plástico romântico (pintura do século XVIII e cinema surrealista), com o objetivo de expor e tensionar a forma hegemônica de imaginar o futuro encampada por Justine. O filme realiza isso ao incorporar temas como a depressão, o papel social do casamento, a posição da mulher no mundo do trabalho e as transformações subjetivas provocadas pelo avanço do neoliberalismo e da propaganda — aspectos que moldam de maneira decisiva nossa percepção do espaço e da história.

Bibliografia

    BUCCI, Eugênio. A superindústria do imaginário: como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.
    BERLIN, Isaiah. As raízes do romantismo. São Paulo: Três Estrelas, 2015.
    FREUD. “Luto e melancolia”. In:______. Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. Edição do Kindle.
    JAMESON, Fredric. Versões de uma hermenêutica marxista. In: Marxismo e forma: Teorias dialéticas da Literatura no século XX. São Paulo: Editora Hucitec, 1985. p.53-126. KELLNER, Douglas. O apocalipse social no cinema contemporâneo de Hollywood. MATRIZes, São Paulo, v. 10, n. 1, pp. 13-28, jan./abr, 2016.
    LÖWY, Michael; SAYRE, Robert. Revolta e Melancolia: O romantismo na contramão da modernidade. São Paulo: Boitempo, 2015.
    XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2022 [1977].