Ficha do Proponente
Proponente
- Alessandra Pereira Brito (UFMG)
Minicurrículo
- Doutoranda e mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, onde também integra o Grupo de Pesquisa Poéticas da Experiência, é graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Tocantins. Atua na pesquisa, curadoria e formação livre em audiovisual. Experimenta a escrita junto de filmes com publicações em livros, catálogos e revistas. É coordenadora artístico pedagógica das formações da Área de Audiovisual da Escola Livre de Artes Arena da Cultura.
Ficha do Trabalho
Título
- Cinema dos quilombos – cinema da Terra
Seminário
- Cinemas, Comunidades, Territórios: interpelações aos gestos analíticos
Resumo
- O ensaio se interessa pelas relações entre o cinema e a terra, elegemos o cinema dos quilombos para investigar os modos de aparecer da terra nas imagens, em busca de cenas que escapem ao imaginário da terra como recurso, algo a ser explorado. Nos filmes O mundo preto tem mais vida (2018, Sabrina Duran) e Gramame, um rio de histórias (2018, Patrícia Pinho) analisamos uma modulação de presença da terra nas imagens que se dá pela palavra dita, pela voz das pessoas que com ela constituem território.
Resumo expandido
- Mestre Joelson Ferreira de Oliveira reivindica como caminho de transformação – frente à exploração desenfreada do planeta que move e estrutura o incessante processo colonial capitalista – a democratização do acesso à Terra. Para Ferreira, “quando pensamos em território, não estamos falando de um quadrado, ou de uma demarcação com determinado aspecto. Estamos falando de um lugar cheio de símbolos de pertencimento alicerçados na abundância da vida” (FERREIRA, FELÍCIO, 2021, p. 43). Nas palavras dele: “o que queremos são territórios, lugares com vida, com comunidade, onde rios, matas, animais, poços, nascentes, tudo possa ser respeitado e cuidado” (Ibid., p. 45). Tendo em vista essa noção de território que transborda o humano e considera todas as vidas como participantes e sujeitos do processo de territorialização, buscamos no cinema territorializado cenas nas quais a Terra se inscreva nas imagens transpondo a perspectiva do recurso, objeto a ser explorado em favor da humanidade. Elegemos para essa investigação o cinema dos quilombos. O texto parte da hipótese de que as formas de presença e inscrição da terra nesse cinema, por ser marcada por uma relação com a terra mediada pela força comunitária, resulta em imagens nas quais a Terra tem uma condição de sujeito, uma presença que tem protagonismo. Nesta análise, nos aproximamos do curta metragem Gramame,um rio de histórias (2018, Patrícia Pinho) e O mundo preto tem mais vida (2018, Sabrina Duran) para junto das imagens compreender como a modulação de presença da Terra no filme pode se dar pela palavra dita, pela voz, sendo essa forma de aparição mediada pela relação que as pessoas do quilombo constituem com o território-terra.
O mundo preto tem mais vida se dá junto da comunidade Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim, no Maranhão, que sofre as consequências violentas da construção e ampliação da Estrada de Ferro Carajás, da BR 135, que atravessa a área do território. Já Gramame, um rio de histórias foi realizado durante o projeto de extensão da Universidade Federal da Paraíba Histórias de Quilombo, que realizou oficinas de audiovisual com estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Ovídio Tavares de Morais, no Quilombo Mituaçu, no município de Conde, Paraíba. Os dois curtas têm uma atenção a escuta da comunidade, com a presença de relatos que lançam luz sobre as questões vivenciadas no território, que dizem respeito a vida das pessoas, mas também alcançam os desafios e violências contra outras vidas, contra a existência dos rios, das plantas, dos animais, do sagrado e da espiritualidade.
Dona Maria José da Conceição relata a destruição que vem sendo causada nas proximidades de sua casa em Santa Rosa dos Pretos, com a derrubada de um pé de manga e três pés de jambo plantados por ela. O plano é composto com ela colocando seu corpo onde antes havia a árvore, fazendo saltar aos olhos que a violência que age na planta recai sobre ela e sua comunidade. Em outro momento, a mãe de Santo, Dona Severina Silva do Terreiro de Mina Tenda Senhora dos Navegantes afirma que o quilombo tem muita força por causa dos invisíveis que estão nas matas, logo o desmatamento tira a força do quilombo, pois afasta os encantados. Seu João Batista, que é pescador, relata sobre sua vida e sobre o rio Gramame, ouvimos sua voz contando suas memórias, sua história e a história do rio, as duas se entrelaçam, confluem – são uma só, mas sem anular suas diferenças (Santos, 2023).
Malcom Ferdinand (2022, p. 255) reforça a importância dos atos de fala dos povos da terra, afirmando que “o desafio é também, e acima de tudo, abrir um espaço de fala que restaure a dignidade desses povos e comunidades por meio do reconhecimento de sua história no convés do navio-mundo.” A importância dessas vozes decorre, sobretudo, porque elas emergem de um modo de vida relacional com a terra, carregando a potência de ecoar a presença de todos que compõem o território, para além dos seres humanos.
Bibliografia
- BISPO DOS SANTOS, Antônio. A terra dá, a terra quer. São Paulo (SP): Ubu Editora/Piseagrama. 2023.
FERREIRA, Joelson; FELÍCIO, Erahsto. Por terra e por território – caminho da revolução dos povos no Brasil. Arataca (BA): Teia dos Povos, 2021.
FERDINAND, M. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. Tradução de Letícia Mei. São Paulo: Ubu Editora, 2022.
Filmografia
Gramame,um rio de histórias (2018, Patrícia Pinho)
Disponível em: Acesso em: 15 jan 2025.
O mundo preto tem mais vida (2018, Sabrina Duran)
Disponível em: Acesso em: 15 mar 2025.