Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Leonardo Alvares Vidigal (UFMG)

Minicurrículo

    Leonardo Vidigal é professor no curso de Cinema de Animação e Artes Digitais, além de orientar e lecionar no PPG-Artes da Escola de Belas Artes da UFMG. É mestre e doutor em Comunicação Social pela UFMG e acabou de terminar o segundo pós-doutorado na Goldsmiths, University of London. Organizou o e-book “Cinema, Som e Música: estilos e arranjos audiovisuais” pela Editora UFMG e publicou artigos em revistas como Revista Pós, Music Research Annual, Volume! e Interactions (Intellect).

Ficha do Trabalho

Título

    Arranjos audiovisuais e som incorporado: filmes de sound system no Sul Global

Seminário

    Histórias e tecnologias do som no audiovisual

Resumo

    Esta comunicação visa analisar o som de dois filmes de sound systems no Sul Global. Filmes de sound systems (também chamados de “sounds”) são aqueles em que estes aparatos sônicos são o tema principal. O primeiro é “Más Fuerte” (Sean Frank, 2024), sobre os sounds de música latina com caixas embutidas em carros na República Dominicana e geridos por dominicanos nos Estados Unidos,e o segundo é “Word, Sound, Power” (Daniel Acevedo, 2023),acerca do sound system de reggae El Gran Latido, da Colômbia.

Resumo expandido

    Nos últimos anos surgiram novas oportunidades para compreender o fenômeno dos filmes de sound system, principalmente aqueles oriundos do Sul Global. O título desta comunicação se refere ao arranjo audiovisual dos filmes, o que significa considerar o filme como um todo, uma composição de som e imagem. No filme convencional existe uma hierarquia que confere à imagem uma dominância audiovisual, mas se nos eventos de sounds há uma dominância sônica sobre um lugar (Henriques, 2020), como isto acontece nos filmes?

    O som dos documentários sobre os sounds pode se afastar da expectativa de veracidade (Vidigal, 2008), porque a trilha musical é muitas vezes pós-sincronizada sobre cenas de rua. Isso acontece porque é muito difícil gravar eventos de sounds diretamente de forma não distorcida, o que faz com que a maioria destes documentários adote o formato de videoclipe, onde o som das canções está também em primeiro plano, alternado com entrevistas.

    Este é o caso de dois curtas-metragens que vamos analisar, “Más Fuerte” e “Word, Sound, Power”, produzidos no contexto do projeto de pesquisa Sonic Street Technologies (SST), coordenado por Julian Henriques na Goldsmiths, University of London, do qual também faço parte. Este projeto visa mapear a distribuição e a história dessas “máquinas musicais móveis” (Henriques e D’Aquino, 2025) pelo mundo, para “investigar as condições sociais, econômicas e culturais que as originaram; e alcançar uma compreensão mais profunda da natureza da tecnologia em si e de seus usos” (SST, 2021).

    “Más Fuerte” aborda os sound systems de música latina embutidos em carros na República Dominicana e geridos por dominicanos nos Estados Unidos. O curta-metragem procura reproduzir na mixagem o efeito do som altamente amplificado, principalmente nas frequências graves, fazendo com que elas “vibrem” as imagens. O desenho de som, que quase nunca se vale do som direto, também apresenta características semelhantes aos de filmes de ficção, ao abafar o som das caixas quando a câmera se distancia delas.

    “Word, Sound, Power” tem um sentido mais político, documentando o sound system El Gran Latido (A Grande Batida) nas manifestações em apoio à greve geral contra o governo colombiano em 2021. Ele se vale do que chamo de “endoclipes”, trechos equivalentes a videoclipes, sem som ambiente, com “dubplates” (Vidigal, 2022), faixas exclusivas do EGL. Quando um integrante do sound sobe a agulha do disco, a música cessa, a imagem treme, o som ambiente entra e o MC manda sua mensagem, finalmente por meio de som direto. É fácil perceber a diferença entra as duas abordagens no filme e distinções entre os dois filmes, mas a dominância sônica dos sounds se impõe sempre.

    Nosso sentido de audição é crucial para que o corpo humano se oriente no espaço, nossa pele também “ouve”. Este mesmo corpo é protegido na cadeira da sala de cinema ou da sala de casa, mas ainda assim o som mixado e montado em um filme pode desorientá-lo.Tal coisa pode acontecer porque um dos objetivos dos filmes de sound systems é causar sensações semelhantes ao aparato concreto, principalmente no aspecto físico. Isso pode ser exemplificado pela experiência dos maranhenses com as radiolas, sound systems de reggae locais, ao dizerem que a boa radiola “faz a camiseta tremer“. Os dois filmes atingem este intuito.

    Se o som no audiovisual incorpora uma sensação tridimensional a um meio bidimensional, os filmes de sound systems fazem isso e muito mais. Ao inverter a hierarquia audiovisual, fazendo com que muitas vezes o som tenha a primazia sobre a imagem, a fazendo vibrar ou tremer, amplificam concretamente o principal objetivo geopolítico do Sul Global, que é romper com a sua exclusão histórica, por conta do racismo estrutural e da extrema assimetria social entre os países. Tais hierarquias de poder, que favorecem as potências europeias e norte-americanas, são desestabilizadas simbolicamente pelos sound systems por meio da dominância sônica, seja nas ruas ou nas telas.

Bibliografia

    HENRIQUES. J. A Dominância Sônica e a Festa de Sound System de Reggae. Revista Eco-Pós, 23 (1), 44–80. 2020. https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i1.27543
    HENRIQUES, J. e D’AQUINO, B. Introduction. Mobile Music Machines: Sounds of the Streets. Londres: Bloomsbury, 2025
    SONIC STREET TECHNOLOGIES. About the Project. Disponível em https://sonic-street-technologies.com/about/. Acessado em 20/05/2021.
    VIDIGAL, L. “A Jamaica é aqui”: arranjos audiovisuais de territórios musicados. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.
    VIDIGAL, L. “Cinema de som, faixas de frequência e arranjos audiovisuais nos filmes de sound system”. In: XXIII Encontro SOCINE, Anais de Textos Completos, São Paulo: SOCINE, 2020.
    VIDIGAL, L. “ ‘Each One Teach One’: music and the pedagogical dimensions of reggae sound system culture.” Music Research Annual 3: 1–19, 2022. Disponível em https://musicresearchannual.org/vidigal-each-one-teach-one-2/. Acessado em 07/03/2022.