Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Isabella Regina Oliveira Goulart (USP / FMU)

Minicurrículo

    Graduada em Comunicação Social (Cinema) pela UFF, mestre e doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP. Realiza pós-doutorado na EACH-USP (PROLAM e PPG Estudos Culturais), pesquisando crítica de cinema no Brasil e na América Latina. É professora e coordenadora de cursos na FMU FIAM-FAAM. Desenvolve pesquisas interdisciplinares que articulam audiovisual, história, sociologia e estudos culturais. Integra grupos e associações acadêmicas no Brasil e no exterior.

Ficha do Trabalho

Título

    Entre memória e mediação: paratextos em Gonzaga por Ele Mesmo e a trajetória de Adhemar Gonzaga

Mesa

    Pioneiros do cinema brasileiro: biografias, trajetórias e redes de sociabilidade

Resumo

    A pesquisa analisa a biografia social de Adhemar Gonzaga, compreendendo-o como intelectual mediador cuja trajetória, ainda que distinta da ortodoxia de intelectuais do campo artístico-cultural, teve papel fundamental no cinema brasileiro. A análise biográfica privilegia aspectos como a origem social e as redes de sociabilidade. O trabalho examina o livro Gonzaga por Ele Mesmo, considerando seus elementos visuais e paratextuais como recursos de construção da biografia, da trajetória e da memória.

Resumo expandido

    A pesquisa busca, de maneira mais ampla, analisar a biografia social de Adhemar Gonzaga, destacando seu papel como intelectual mediador no campo do cinema brasileiro. “Intelectuais mediadores” são sujeitos históricos que se distinguem por desempenharem um papel direto na mediação cultural, engajando-se em práticas específicas e complexas voltadas à disseminação consciente e estruturada de conhecimentos e valores, que os diferenciam de outros atores sociais que também exercem funções como mediadores culturais (Gomes; Hansen, 2016). Este conceito analítico é central no trabalho, pois redefine a mediação cultural como um espaço criativo, capaz de influenciar o debate público, ampliando o reconhecimento de agentes culturais como editores de revista e críticos de arte, que não se encaixam na categoria de intelectuais “letrados” – termo utilizado por Miceli (2001) para se referir a uma elite intelectual brasileira que inclui nomes como Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, José Lins do Rego e Mário de Andrade.
    Enquanto esses indivíduos seguiram um percurso mais ortodoxo no campo artístico-cultural, Gonzaga teve uma trajetória de vida distinta. Ainda que sua contribuição não tenha sido integrada às leituras do pensamento social, sua relevância merece reconhecimento, pois ele ocupou um papel fundamental na formação de um pensamento e de padrões culturais associados ao cinema em escala nacional. Por essa perspectiva, Gonzaga pode ser compreendido não apenas como crítico, cineasta ou produtor de filmes, mas como um intelectual com uma sensibilidade crítica para práticas culturais, políticas e institucionais. À semelhança de outras figuras proeminentes nas artes, na literatura e na antropologia, ele teve papel ativo no debate público, articulando estrategicamente diferentes esferas da cultura, promovendo a circulação de ideias e participando da construção de um imaginário.
    O caminho proposto para este estudo é original, pois desloca o foco da produção de Gonzaga – dos textos, críticas, artigos e editoriais, assim como dos filmes feitos na Cinédia – para se debruçar sobre aspectos como sua origem social, formação, relações familiares, espaços de sociabilidade, redes intelectuais e culturais, empregando o método da análise biográfica. O livro Gonzaga por Ele Mesmo (1989), organizado por Alice Gonzaga e Carlos Aquino com base em anotações deixadas pelo próprio Adhemar, constitui o corpus principal da pesquisa. Diferentemente de uma autobiografia tradicional, ele pode ser interpretado como uma “autobiografia mediada”, reunida a partir do olhar de terceiros. Assim como qualquer biografia, ele deve ser lido não como um relato factual da trajetória do biografado, mas como uma construção discursiva que direciona a percepção do leitor, articulando de forma intencional elementos relacionados à identidade, ao pertencimento e à memória.
    Para uma pesquisa com esse viés, é fundamental que a metodologia envolva na análise: estrutura narrativa e estratégias discursivas (seleção de eventos, tom da escrita e formas de legitimação da trajetória de Gonzaga); redes intelectuais e circulação de ideias (conexões com críticos, cineastas e agentes culturais que contribuíram para a formação do campo cinematográfico brasileiro); contexto sociocultural (interseção entre pertencimento de classe, formação intelectual e projeto de identidade nacional para o cinema); e a materialidade do livro (título, capa, agradecimentos, prefácio, diagramação, etc., bem como o uso de imagens e documentos como reforço da narrativa biográfica). Este trabalho examinará os elementos visuais e paratextuais – como fotografias, ilustrações e legendas – enquanto recursos que contribuem tanto para a reconstrução da trajetória de Gonzaga quanto para a construção de sua memória e identidade. Propõe-se, portanto, uma reflexão sobre o papel dessas imagens na elaboração da narrativa biográfica, evidenciando como tais documentos visuais podem revelar as redes de sociabilidade.

Bibliografia

    BOURDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica”. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaina. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998.
    GOMES, Ângela de Castro.; HANSEN, Patrícia Santos (Org.). Intelectuais mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
    GONZAGA, Alice; AQUINO, Carlos. Gonzaga por ele mesmo. Rio de Janeiro: Record, 1989.
    LUCAS, Taís Campelo. Cinearte: o cinema brasileiro em revista (1926-1942). Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
    MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2001.
    RAMOS, Fernão Pessoa; SCHVARZMAN, Sheila (Org.). Nova história do cinema brasileiro. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018.
    SIMIS, Anita. Estado e cinema no Brasil. São Paulo: Annablume, 2008.