Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Carla Ludmila Maia Martins (UNA)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, com período sanduíche na Tulane University / New Orleans. É professora do curso de Cinema e Audiovisual do Centro Universitário Una. Integra a Associação Filmes de Quintal, organizadora do forumdoc.bh. Organizou mostras dedicadas ao cinema de Chantal Akerman, Trinh T. Minh-ha e Naomi Kawase. Integrou o júri de eventos como Cachoeira.doc, Mostra de Cinema de Tiradentes, FestcurtasBH e Semana dos Realizadores.

Ficha do Trabalho

Título

    Filtros, gargalos, janelas – modos de ver e dar a ver em tempos de streaming

Seminário

    Festivais e Mostras de Cinema e Audiovisual

Resumo

    A partir de uma reflexão a respeito dos modos de dar visibilidade e de espectatorialidade em tempos de streaming, propomos analisar a atividade curatorial sob o prisma de três figuras ou metáforas: filtros, gargalos e janelas. O intuito é de estabelecer comparações que permitam observar mudanças estruturais nas maneiras de ver e dar a ver no contemporâneo, junto a reflexões sobre as consequências éticas, políticas e estéticas de tais mudanças.

Resumo expandido

    É fato notório haver um gargalo histórico entre o número de produções realizadas no Brasil e o número de filmes que são efetivamente vistos, seja em festivais, mostras ou sessões comerciais de cinema. Considerando-se a principal janela de exibição de filmes independentes – os festivais, mostras e sessões especiais – chegam a ser cinco, dez, às vezes vinte vezes mais filmes inscritos do que o número que efetivamente pode ser selecionado para exibição, dado o limite de tempo em eventos presenciais. Cabe fazer escolhas, estabelecer critérios. Nesse processo, reside o risco de ocorrer apagamentos históricos, o que Amaranta Cesar acertadamente denominou de “negligências críticas”, em especial em relação a perspectivas femininas de cinema, que existem “em função de estruturas historicamente localizadas”. O gargalo é estreito e desigualmente acessível.
    O campo da exibição em streaming, com sua temporalidade diversa, não mais limitada pelo tempo do aqui-agora, sem aura, pode provocar mudanças estruturais no processo de seleção ou de “agenciamento de visibilidades”, para seguir com Cesar e lembrar Benjamin. Por um lado, na internet é possível atuar menos como gargalo e mais como janela – em lugar de lógica alternativa, “este ou aquele filme”, a internet permite a lógica aditiva, “este e aquele filme”, dada a maior capacidade de armazenar e exibir conteúdos, sem as pressões do tempo. Por outro lado, acompanham essas mudanças estruturais nos modos de ofertas outras variações igualmente definidoras da experiência de ver e dar a ver em tempos de streaming. Buscamos explorar dois aspectos centrais para esse debate: 1) a forma de espectatorialidade e 2) a distribuição de poderes no mercado exibidor.
    No que diz respeito ao primeiro aspecto, é preciso pensar como os conteúdos ofertados na internet, seja nas plataformas SVOD ou TVOD, seja nas versões online de mostras de cinema e festivais, acabam por configurar uma demanda quase infinita de conteúdos, como grandes cardápios, pelos quais deslizamos o olhar em busca de algo para assistir, com graus variados de indecisão. O gargalo ou filtro, no fim das contas, não deixa de existir, mas passa a ser deslocado do programador/curador para o espectador/usuário, que detém o poder de selecionar o que ser visto. No streaming, é preciso lidar com a dura verdade de que um filme estar disponível na plataforma não é garantia de que ele será, efetivamente, visto. E mesmo quando visto, as condições de espectatorialidade serão tão distintas que alguns poderão questionar se ainda pode se denominar “cinema” a experiência de assistir a um filme sozinho, nas diminutas telas de um laptop ou de um celular, em sala nem sempre escura e com o isolamento acústico insuficiente para uma experiência imersiva.
    O que é feito do espectador, alvo último de todo e qualquer evento de exibição cinematográfica, em tempos de streaming? Sem a escuridão do cinema, será que ainda sonha? Sente medo? Será que vibra, a ponto de sentir o chamado para ação, tão necessário para a transformação – subjetiva, sociocultural – que se espera do contato com os filmes? O fenômeno da hiperestesia – em que visão e audição são aguçados em detrimento dos outros três sentidos, anestesiados durante a duração do filme – será que deixa de acontecer em função, por exemplo, da participação tátil na experiência, o toque na tela ou no teclado que interrompe a história, faz corte na duração?
    Propomos refletir sobre possíveis mudanças nos modos de espectatorialidade para pensar qual papel os festivais e mostras, presenciais e online, teriam a cumprir na arena cultural e política em tempos de streaming. Para além disso, buscamos retomar alguns dados estatísticos para problematizar até que ponto se pode defender a hipótese de que a internet, por seu potencial de ser mais janela e menos gargalo ou filtro, seria mais democrática, ou representaria uma distribuição mais horizontalizada dos poderes e das visibilidades, face a hegemonia das grandes plataformas.

Bibliografia

    AMARANTA, Cesar; LUDERMIR, Chico. “Uma imagem vibra nos sujeitos, libera energia de luta”. Entrevista. Revista Continente. Disponível em: https://revistacontinente.com.br/secoes/entrevista/-uma-imagem-vibra-nos-sujeitos–libera-energia-de-luta-
    BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na era de sua Reprodutibilidade Técnica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder. A Inocência Perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
    SHAMBU. Por uma nova cinefilia. Revista Cinética. Disponível em: https://revistacinetica.com.br/nova/traducao-de-por-uma-nova-cinefilia-girish-shambu/