Ficha do Proponente
Proponente
- Camila Botelho da Silva Pereira (PPGAC – USP)
Minicurrículo
- Camila Botelho é atriz e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da USP, onde pesquisa atuação para cinema. Realizou diversos trabalhos tanto no audiovisual como no teatro. É formada no curso técnico profissionalizante de Teatro do CEFART/Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e realizou a pós-graduação “Corpo e palavra nas artes da cena” na PUC-RJ
Ficha do Trabalho
Título
- O jogo contraditório de Grace Passô em Praça Paris
Eixo Temático
- ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS
Resumo
- A atuação de Grace Passô no longa-metragem Praça Paris se mostra como um interessante exemplo sobre a influência do trabalho da atriz sobre o resultado da obra cinematográfica. Embora a personagem que interpreta se enquadre em diversos estereótipos associados à mulher negra no cinema, a atriz propõe um jogo de atuação contraditório que promove fissuras na trama e complexificam a personagem representada. Este estudo propõe, portanto, investigar esse jogo e sua influência sobre a forma fílmica.
Resumo expandido
- Em filmes de ficção, em que “cria-se a falsa ilusão de que o ator não precisa atuar” (Greve, 2017, p. 12), analisar o trabalho dos atores não é uma tarefa simples. Essa análise carece, ainda, de “metodologia e bibliografia específicas” (Guimarães, 2019, p. 82), além de esbarrar em algumas dificuldades conceituais. Uma primeira pergunta que se coloca é: no cinema, onde há um grande controle da mise-en-scène, no que consiste, de fato, o trabalho do ator? Essa é uma das principais discussões dos chamados “estudos atorais”, que surgem como um campo de estudos que visam “colocar o ator de cinema no centro da sua problemática” (Guimarães, 2019, p. 81), e que buscam compreender e estudar o trabalho do ator enquanto parâmetro para se avaliar o resultado da obra cinematográfica. Nesse sentido, a atuação de Grace Passô no longa-metragem Praça Paris, de Lúcia Murat, se mostra como um interessante exemplo sobre a complexificação da personagem que interpreta e a consequente influência do trabalho da atriz sobre o resultado da obra cinematográfica. O filme apresenta duas protagonistas: Camila, uma mulher branca de classe média-alta, e Glória, uma mulher negra e periférica. Sua sinopse já traz como problemática, de antemão, a questão da diferença de raça e classe social entre as personagens. Joana é uma terapeuta portuguesa que está realizando uma residência no Rio de Janeiro, e atende Glória, ascensorista da universidade onde trabalha, como parte da sua pesquisa de mestrado. Ao longo do filme, Camila se sente aterrorizada pelas histórias de violência narradas por Glória, de forma que a diferença de raça e classe social entre as duas vai se tornando a tônica do conflito. Entretanto, embora o filme apresente de forma evidente sua crítica social, a personagem Glória acaba se enquadrando em diversos estereótipos limitantes em relação à representação da mulher negra no cinema, como por exemplo a de mulher “favelada”, “batalhadora” e “crente” (Rodrigues, 2001). Por outro lado, observa-se, no jogo de Passô, alguns elementos que produzem fissuras na narrativa fílmica e fazem com que sua personagem não seja somente a reprodução desses estereótipos racistas tão recorrentes na cinematografia brasileira. Um importante elemento observado na atuação de Passô, nesse filme, é sua capacidade de incorporar contradições em sua atuação. James Naremore cita em seu livro “Acting for cinema” um trecho da biografia de Charlie Chaplin, no qual ele diz: “eu queria que tudo fosse uma contradição” (Chaplin apud Naremore, 1988, p. 16, tradução nossa). Na atuação, um caminho mais óbvio é a tentativa de interpretar e dizer o texto da forma sugerida pelo roteiro e com a emoção que supostamente a personagem está sentindo ao dizer aquelas palavras. Assim, se a personagem está com pressa, por exemplo, a tendência é que se fale mais rápido; se a personagem está brava, a tendência é que o ator ou atriz grite. Em diversas cenas, Passô apresenta expressões e gestos que contrastam com o conteúdo emocional de suas falas, criando um jogo de contradições. Esse jogo provoca um estranhamento, que destaca a profundidade da personagem e afasta-a de representações estereotipadas. Ao atuar de forma contraditória, menos ou mais ostensiva, utilizando o olhar como recurso expressivo e com estratégias diversas, Passô parece provocar um deslocamento entre o estereótipo previsto para sua personagem e a forma como ela de fato se comporta. Dessa maneira, tendo como base o cruzamento entre estudos atorais e de raça e gênero no cinema, este estudo pretende compreender como se dá a contradição proposta pela atriz em seu jogo e refletir sobre como esse jogo complexifica a história narrada e, por consequência, influencia a forma fílmica.
Bibliografia
- CANDIDO, Marcia Rangel; FERES JÚNIOR, João. “Representação e estereótipos de mulheres negras no cinema brasileiro”, in Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 2, 2019, p. 1-14.
GREVE, Sabrina Tozatti. O Ator do teatro ao cinema: um estudo sobre apropriações. Dissertação de mestrado em Meios e Processos Audiovisuais, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2017.
GUIMARÃES, Pedro. “Ator como forma fílmica: metodologia dos estudos atorais”. In: Aniki: Revista Portuguesa da Imagem em Movimento, v. 6, 2019, p. 81-92.
HOOKS, bell. Olhares negros: raça e representação. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019.
NACACHE, Jacqueline. O ator de cinema. Lisboa: Texto & Grafia, 2012.
NAREMORE, James. Acting in the cinema. Berkeley/Los Angeles/Londres: University of California Press, 1988.
RODRIGUES, João Carlos. O negro brasileiro e o cinema. São Paulo: Pallas, 2001.