Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria da Conceição Fontoura de Paula Cardoso (UFPE)

Minicurrículo

    Maria Cardozo é realizadora, curadora e pesquisadora audiovisual. Doutoranda no PPGCOM da UFPE, pesquisa a memória audiovisual do movimento feminista em Pernambuco. É idealizadora e diretora de programação do Fincar – Festival Internacional de Cinema de Realizadoras. Atualmente, se dedica à pesquisa de arquivo no projeto Acervo do Vídeo Popular em Pernambuco e à realização do curta de documentário experimental “Palavras de desordem”, sobre imagens de arquivo de manifestações feministas de rua.

Ficha do Trabalho

Título

    “Atreve-te a saber” e a poetização da identidade política das mulheres

Eixo Temático

    ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS

Resumo

    Esta pesquisa se volta para um vídeo produzido em 1985 pela ONG feminista SOS Corpo em parceria com a TV Viva, “Atreve-te a saber”. A produção é o registro de um encontro de mulheres na periferia do Recife (PE) para tratar da questão da saúde e vida sexual feminina. Trata-se de um vídeo importante para a memória do movimento feminista pernambucano e nos interessa investigar como as lutas das mulheres se inscrevem nas imagens através das escolhas éticas e estéticas utilizadas na produção.

Resumo expandido

    Esta pesquisa se volta para um vídeo produzido em 1985 pela ONG feminista SOS Corpo em parceria com a TV Viva. Para contexto, o SOS Corpo é uma ONG que nasce no Recife em 1981 voltada para a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres – aqui ainda numa concepção de mulher cisgênero – e que permanece até hoje sendo uma entidade muito relevante para os movimentos feministas em Pernambuco. A TV VIVA foi uma produtora audiovisual pernambucana criada em 1984 que integrou o Programa de Comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF). O vídeo recebe o título de Atreve-te a saber e aborda questões sobre a saúde e a vida sexual das mulheres a partir do registro audiovisual de um encontro realizado pelo SOS Corpo com mulheres do bairro de Casa Amarela, na cidade do Recife (PE), em 1985.

    Trata-se de uma produção audiovisual que produz uma memória valiosa tanto de um encontro de mulheres organizadas afetiva e politicamente na cidade em 1985, quanto dos materiais e metodologias pedagógicas utilizadas pelo SOS Corpo. Atreve-te a saber tem oito minutos e vinte e dois segundos de duração, um curta, e tem uma composição visual padrão para registro de um encontro. Conta com variados closes nos rostos expressivos, planos abertos nos momentos de movimentos em grupo, trechos de apresentações, performances e entrevistas, e uma voz em off que amarra o sentido das ações registradas. Por entre as metodologias pedagógicas, vemos uma encenação teatral que reconstitui a rotina de um casal heterossexual fazendo o grupo espectador rir e perguntas disparadoras para uma roda de diálogo sobre a realização sexual das mulheres. O vídeo, refletindo o encontro, tem um marcado gesto de entrelaçar a ideia mais geral de “saúde da mulher” com a busca por uma vida sexual satisfatória. O gozo da vida, os desejos sexuais e a liberdade nas relações são questões colocadas na roda, onde algumas mulheres ficam mais acanhadas e pensativas, outras falam entre risos (talvez de nervoso).

    Para além de um registro de uma ação afetiva e politicamente relevante para o movimento feminista em Pernambuco, no vídeo há algo que transborda. Algo que brilha nas imagens por entre os risos e acanhamentos das mulheres ao falarem sobre prazer em suas vidas. Nos interessa neste artigo lançar um olhar demorado para as escolhas éticas e estéticas do vídeo, investigando como os caminhos escolhidos deixam transbordar esses brilhos nas imagens e o lugar de simples registro audiovisual de um encontro.

    Para pensar as lutas feministas com as imagens desse encontro, iremos nos aproximar do que Valeria Flores, pesquisadora e ativista lésbica e queer, coloca como um pensar lésbico (2016). Apesar de se tratar de um encontro entre mulheres majoritariamente em relações heterossexuais, as trocas estabelecidas se fazem pelo questionamento do ordenamento sexual dos corpos, dos papéis de gênero e do fortalecimento da voz de cada uma para falar do gozo. Aqui, então, o pensar lésbico se coloca como uma possibilidade de desordenamento da heterossexualidade, um olhar crítico que impulsiona as mulheres – lésbicas ou não – a questionarem os caminhos afetivos-sexuais que trilharam em suas vidas. Pensar lésbico como possibilidade de poetização de suas identidades políticas.

    Para lançarmos um olhar demorado para o vídeo e investigar como as lutas das mulheres se inscrevem nas imagens, nos debruçaremos sobre as estratégias visuais, ou, argumentos visuais, utilizados pela produção para trazer as questões feministas sobre saúde sexual. A ideia de argumento visual vem da curadora Nicole Brenez (2023), e seu questionamento sobre a noção simplista de que filmes engajados não pensam a forma, sendo reduzidos ao seu conteúdo (2011).

    Nos interessa nesta pesquisa, portanto, olhar o vídeo em sua complexidade ética e estética e seus transbordamentos.

Bibliografia

    AHMED, Sara. Estraga-prazeres feministas (e outras sujeitas voluntariosas). Eco-pos, Dossiê Crise, Feminismo e Comunicação, vol. 23, n. 3, p. 82-102, 2020.

    BRENEZ, Nicole. Political cinema today: the new exigences – For a Republic of the imagens. Screening the past, 2011.

    _____________. On the Figure in General and the Body in Particular – Figurative Invention in Cinema. Londres: Anthem Press, 2023.

    FLORES, Valeria. La intimidad del procedimiento. Escritura, lesbiana, sur como prácticas de sí. Badebec, vol. 6, n. 11, p. 230-249., set. 2016.

    GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2020. p. 42-56.

    NASCIMENTO, Beatriz. Uma história feita por mãos negras. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.