Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Camila Dutervil (UnDF)

Minicurrículo

    Camila Dutervil é documentarista antropóloga e professora de cinema da Universidade do Distrito Federal. Começou estudando na Escuela Internacional de Cine y TV em Cuba, se especializou em montagem no Ateliers Varan, em Paris, onde também concluiu o o Mestrado em Cinéma – Réalisation et Création, na Universidade Paris VIII. A pesquisadora é doutora em cinema pela Università Roma Tre e atualmente está filmando seu primeiro longa metragem.

Ficha do Trabalho

Título

    Amazonizar o cinema : A resistência indígena e a ocupação das telas.

Resumo

    O presente trabalho discute os desafios éticos da representação dos povos da Amazônia. Os coletivos de cinema indígena da região amazônica estão passando por um momento de autodeterminação, resistem à extensiva exploração das imagens da floresta e de sua cultura. Ao tomarem as rédeas de suas próprias narrativas, criam uma linguagem autêntica e impactante, que tem conquistado visibilidade em renomados festivais nacionais e internacionais.

Resumo expandido

    A Amazônia ocupa cada vez mais um papel central no debate internacional sobre o futuro do planeta. Sua importância para a absorção de emissões de carbono a torna vital no enfrentamento da crise climática. Proteger a maior floresta tropical do mundo e as terras indígenas, que são os últimos locais com floresta preservada, é essencial para combater a emergência climática e evitar a extinção em massa de espécies provocada pela ação humana. O movimento “Amazônia Centro do Mundo” sustenta que os verdadeiros centros geopolíticos do planeta são os suportes naturais da vida, como as florestas tropicais e os oceanos, que garantem a continuidade da vida na Terra.
    Nos últimos anos, tanto produções cinematográficas internacionais quanto nacionais tem se voltado para a Amazônia. Simultaneamente, assistimos a um momento de auto determinação dos coletivos de cinema indígena amazônida que passaram a contar suas próprias histórias, resistindo ao histórico extrativismo de imagens da floresta.
    O cinema indígena, uma categoria emergente desde os anos 1960, consolidou-se ao longo das décadas seguintes, associando-se a avanços tecnológicos e ao fortalecimento do movimento indígena. O cinema, nesse contexto, tornou-se uma plataforma essencial para reivindicar direitos territoriais e ambientais.

    A partir dos anos 1990, os recursos audiovisuais passaram a ser uma estratégia importante para os povos indígenas, especialmente na região amazônica. Um exemplo notável é o Kaiapó Video Project, que foi desenvolvido pelo antropólogo Terence Turner em colaboração com o cineasta Michael Beckham no filme Kaiapo: Out of the Forest (1989). Este projeto documentou a primeira manifestação contra a barragem do Rio Xingu e foi um marco no uso de câmeras de vídeo pelos povos indígenas. Segundo Turner, a partir do momento em que adquiriram suas próprias câmeras de vídeo, os Kaiapó consideraram a gravação com este recurso fundamental em suas grandes confrontações políticas com a sociedade nacional, utilizando os meios de comunicação ocidentais para fazerem ouvir suas vozes:
    Para um povo como o Kaiapó, o ato de filmar com uma câmera de vídeo pode se tomar um mediador mais importante nas suas relações com a cultura ocidental dominante do que o próprio documento filmado. Os Kaiapó não consideram a documentação em vídeo apenas uma gravação passiva ou uma reflexão de fatos já existentes, mas algo que ajuda a estabelecer os fatos que ela grava (TURNER, 1993:101).
    No Brasil, a ONG Vídeo nas Aldeias (VNA), dirigida por Vincent Carelli, se destaca no trabalho com os povos indígenas, funcionando como uma escola de cinema. A VNA utiliza o audiovisual como ferramenta para valorizar a identidade étnica e e como recurso na conquista de direitos. Em 2015, a ONG promoveu oficinas de vídeo com indígenas de aldeias afetadas pela construção da barragem de Belo Monte, onde Takumã Kuikuro, cineasta indígena do Alto Xingu, foi instrutor. Takumã é também fundador do Coletivo Kuikuro de Cinema e da Xingu Filmes, produziu a série Gente do Xingu e está desenvolvendo o longa-metragem Antropólogo Aprendiz, que parte de uma inversão de papéis: do antropólogo que estuda e documenta a vida dos indígenas, para o indígena cineasta que documenta, estuda o papel e as relações entre o antropólogo e povos originários. Outro coletivo que se destaca na Amazônia Brasileira é o Coletivo Daje Kapap Eypi, formado por três mulheres do povo Munduruku. Seu primeiro longa co-produzido pela Globo Filmes foi selecionado para o Festival é Tudo Verdade e para o Hot Docs no Canadá.
    Refletiremos por fim, sobre os desafios éticos enfrentadas por documentaristas ao tentar colaborar com coletivos indígenas de cinema na Amazônia, um processo que exige sensibilidade, respeito e compromisso pelas questões políticas envolvidas, além de um entendimento profundo sobre as temporalidades e protocolos indígenas, para que possam atuar verdadeiramente como aliados na defesa dos direitos dos povos da Amazônia.

Bibliografia

    ALVARENGA, Clarisse. Da cena do contato ao inacabamento da história: Os últimos isolados (1967-1999), Corumbiara (1986-2009), Os Arara (1980-). Salvador: Edufba, 2017.
    BRUM, E. Banzeiro Okòtó Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
    CORDOVA, Amalia. Estéticas Enraizadas: Aproximações ao vídeo indígena na América Latina In: “Catálogo Olhar Um ato de Resistência- forumdoc.bh” , Filmes de Quintal. Belo Horizonte, 2015.
    ROUCH, Jean. Jorge Bodansky uma lição de cinema que vem da Amazônia, elogio enfático a Iracema. In: ARAUJO SILVA, Mateus. (org.) Jean Rouch. 2009 Retrospectivas e Colóquios no Brasil. Belo Horizonte. Balafon, 2010. P 40-42
    TURNER, Terence. Defiant Images: The Kayapo Appropriation of Video “Anthropology Today” Vol. 8, N. 6 Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, 1992, ed.pt : Imagens Desafiantes: a Apropriação Kaiapó do Vídeo “Revista de Antropologia”, 1993.