Ficha do Proponente
Proponente
- Haroldo Ferreira Lima (Sem vínculo)
Minicurrículo
- Haroldo Lima é doutora em Poéticas e Técnicas Audiovisuais (PPGMPA-USP), mestre em Psicologia Insititucional (PPGPSI-UFES) e Bacharel em Comunicação Social (UFES).
Ficha do Trabalho
Título
- Como um romance: a autobiografia de Harold, um enfermeiro
Seminário
- Tenda Cuir
Resumo
- A apresentação propõe um exercício crítico-fabulativo a partir dos arquivos do diretor de documentários queer Tom Joslin e o parceiro Mark Massi, especialmente obituários.
Resumo expandido
- Em 1990, Ben Havett me ligou do pequeno estúdio em que vivia em San Francisco pra checar minha disponibilidade. Ele tinha um amigo em Silverlake que precisava de cuidados. Aquela altura eu não sabia muito bem o que responder, tinha acabado de passar na empresa de tratamentos paliativos para pegar meu próximo “cliente”, um artista plástico amador de Koreatown. O parceiro dele havia morrido dois meses antes, sua família vivia em San Diego e os mais próximos conhecidos àquela altura também precisava de ajuda. A rede amigos que havia escapado da positivação, ou sobrevivido até ali, não dava conta do trabalho. Afinal, tanto quanto os amigos antes da crise, o trabalho não era pouco. Quando cheguei na casa de Massi ouvi a história contada pelo menos duas dezenas de vezes ao longo dos quatro anos em que cuidei de homens com aids. Topei o trabalho porque quando encontrei Mark naquela manhã, ele fez questão de destacar com a ironia autodepreciativa que comecei a reconhecer como sinal de bom humor, algum ânimo, ou resquício de certa normalidade, a objetividade com que a morte se contrapunha ao projeto artístico de Tom.
Talvez seja um pouco injusto tentar contar aqui a história deles. O que sei eu dessas pessoas, ou o que tenho a relatar sobre elas que você não tenha lido por aí, visto de perto, ou acompanhado nos filmes que tentam acender a memória dos que sobreviveram, ou não viveram tempo suficiente para testemunhar?
A apresentação parte dos arquivos queer de Tom Joslin e propõe um experimento narrativo sobre as redes de cuidado produzidas durante a crise do HIV/AIDS. Parto de um personagem encontrado no obituário de Mark Massi, “Harold, um enfermeiro encantador de cinquenta e poucos anos, doce, de grande ajuda e viciado em novelas” (Huston: 2024, 92), para fazer a autobiografia do cuidado, ou do cuidador. Massi foi o companheiro de Tom Joslin, precursor do documentário queer, um “amigo próximo”, se pudermos defini-lo a partir do primeiro longa de Joslin, Blackstar: autobiography of a close friend (1976). A morte de Joslin foi documentada em Silverlake Life: the view from here (Tom Joslin, Peter Friedman, 1993) e os últimos de Massi em Epílogo (Peter Friedman, Elaine Mayes, 2001). O texto aproveita a dimensão performativa do obituário e a aposta na primeira pessoa como estratégia de agenciamento do queering (Sedgwick: 1993) para especular de maneira crítica e fabulativa (Hartman: 2007), a possibilidade de tocar e produzir comunidades através do tempo (Dinshaw: 1999) narrativamente.
Bibliografia
- FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: Estratégia, poder-saber. Ditos e escritos IV. Org. Manuel Barros da Motta. Trad. Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
DINSHAW, Caroline. Getting medieval: Sexualities and Communities, Pre- and Postmodern. Durham: Duke University Press, 1999.
HALBERSTAM, Jack. In a queer time and place: transgender bodies, subcultural lives. Nova Iorque: New York University Press, 2005.
HARTMAN, Saidiya. Lose your mother: a journey along the Atlantic slave route. Nova Iorque: Farrar, Straus and Giroux, 2007.
HUSTON, Bo. Obituario para Mark. In: RODRÍGUEZ, Miguel. Primary Colors Los archivos de Tom Joslin y Mark Massi
ROACH, Tom. Friendship as a way of life: Foucault, aids and the politics of shared strangement. Nova Iorque: New York State University Press, 2012.
SEDGWICK, Eve. Tendencies. Durham: Duke University Press, 1993.