Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Guilherme Perussolo (UTP)

Minicurrículo

    Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba e advogado registrado na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Paraná. Também é cientista social/sociólogo e cientista político pela Universidade Federal do Paraná. É Mestre em Direito Internacional/Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. É doutorando do Programa de Pós Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná, linha de pesquisa Estéticas e Tecnologias do Audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    O Pesadelo no Cinema de Fellini

Resumo

    O presente trabalho visa, por meio de um apanhado de entrevistas e escritos de Fellini sobre os filmes por ele realizados, desnudar o papel do pesadelo como catalisador de reações diante de situações que se impõem aos seus protagonistas. Para tanto, verifica-se o momento e a função do pesadelo em três obras distintas do autor, e a reação dos protagonistas após a sua ocorrência.

Resumo expandido

    Federico Fellini criou um universo no qual realidade e fantasia possuem fronteiras dissolvidas, com sonhos e pesadelos exercendo papel fundamental. O objetivo desta proposta é o de perscrutar como o pesadelo surge como um recurso expressivo poderoso na filmografia do cineasta a partir de três figuras expressivas, refletindo angústias pessoais, dilemas existenciais e críticas sociais, desembocando em atitudes distintas.
    Em 8½, o protagonista é atormentado por um fluxo incessante de memórias e fantasias que invadem sua realidade. O pesadelo mais marcante ocorre logo na abertura do filme: Guido está preso dentro de um carro em um congestionamento sufocante. Subitamente, ele escapa flutuando pelo céu. Essa sequência pode ser vista como uma simbologia de sua busca por liberdade e criatividade, ao mesmo tempo em que ilustra seu aprisionamento. Ao longo do filme, essa lógica de pesadelo permeia toda a narrativa, mostrando Guido confrontado por seus medos — desde sua infância repressiva até seus conflitos amorosos e profissionais. A primeira figura que resulta do embate de Fellini com seus pesadelos é a resignação. Guido não encontra uma resolução clara para seus dilemas, e sua única resposta é aceitar o caos da vida como parte essencial da existência. O final do filme, com a dança circular de todos os personagens de sua vida, sugere uma resignação ao absurdo, sem triunfalismo ou desesperança absoluta.
    Satyricon, por sua vez, é uma viagem alucinante por uma Roma decadente e fragmentada. A estrutura do filme é deliberadamente desconexa, contribuindo para um efeito de sonho febril e perturbador. O protagonista é constantemente deslocado de um ambiente ilógico para outro, sem nunca conseguir controlar sua própria jornada. O tempo e o espaço são mutáveis, os personagens são grotescos, e a sensação de impermanência domina tudo. Um dos momentos mais angustiantes ocorre quando Encolpius e seus companheiros são vendidos como escravos em um banquete, em um ritual cruel. Isso intensifica a ideia de um universo que escapa ao controle do protagonista. O resultado desse pesadelo é o descontrole, segunda figura expressiva em Fellini: Encolpius é tragado por um mundo sem sentido, onde a existência é fragmentada e sem propósito. Diferente de Guido em 8½, que ao menos encontra um tipo de aceitação do caos, ele é jogado de um destino a outro sem encontrar qualquer redenção. O filme termina abruptamente reforçando a sensação de que tudo é efêmero e fora de nosso controle.
    Em Cidade das Mulheres, Fellini leva o protagonista a uma jornada pelos medos e desejos masculinos. O filme inicia com Snàporaz seguindo uma mulher misteriosa até um hotel, onde se vê cercado por um congresso feminista. A partir desse momento, ele é engolido por um mundo labiríntico onde todas as suas concepções sobre o gênero oposto são questionadas e ridicularizadas. Vê-se aprisionado em um tribunal ameaçador, sendo julgado por suas falhas enquanto homem. Como em 8½, o protagonista tenta escapar, mas é constantemente puxado de volta ao mundo que o desafia. Sua identidade vai, aos poucos, se dissolvendo. O resultado desse confronto com o pesadelo é o cinismo, terceira figura expressiva felliniana: diferente de Guido, que atinge um tipo de aceitação do caos, ou de Encolpius, que sucumbe à desordem, Snàporaz emerge de sua experiência com uma expressão cínica, de desprezo e mesmo de incredulidade frente ao que lhe atinge.
    Assim, o pesadelo é uma manifestação de crises interiores e sociais vistas em ao menos três figuras expressivas nos filmes de Fellini. Em 8½, ele reflete a dúvida existencial do artista, levando-o à resignação cética. Em Satyricon, o pesadelo expressa a decadência, culminando no descontrole. E em Cidade das Mulheres, o pesadelo escancara os medos masculinos diante da emancipação feminina, resultando em cinismo. Assim, os pesadelos de Fellini não apenas aprofundam a psique de seus personagens, mas também capturam as angústias de seu criador e do próprio ser humano.

Bibliografia

    8½. Dir. Federico Fellini. Prod. Angelo Rizzoli. Itália: Cineriz, 1963.
    AUMONT, Jacques. As Teorias dos Cineastas. Campinas: Papirus, 2004.
    AUMONT, Jacques [et al]. A Estética do Filme. 9 ed. Campinas: Papirus, 2012.
    BAZIN, André. O Realismo Impossível. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
    FELLINI, Federico. Eu sou um grande mentiroso: entrevista a Damien Pettigrew. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
    FELLINI, Federico. Fellini por Fellini. 2 ed. Porto Alegre, L&PM, 1983.
    GRAÇA, André Rui; BAGGIO, Eduardo Tulio; PENAFRIA, Manuela. Teoria dos Cineastas: uma abrodagem para a teoria do cinema. In: Revista Centífica FAP, vol. 12 jan./jun. 2015, pp. 19-32.
    LA CITTÁ DELLE DONNE. Dir. Federico Fellini. Prod. Gaumont. Itália: Gaumont, 1980.
    NARCISO, Rafaela Fernandes. Do Neorealismo ao Cinema Autoral. In: Revista Aurora, v. 9 n. 1. Marília: 2016.
    SATYRICON. Dir. Federico Fellini. Prod. Alberto Grimaldi. Itália: PEA, 1969.