Ficha do Proponente
Proponente
- Natália Jardanovski (PUC-Rio)
Minicurrículo
- Mestranda em Comunicação (PPGCOM/PUC-Rio), graduada em Audiovisual (ECA/USP) em 2018. Se debruça atualmente sobre a chegada das câmeras de vídeo no Brasil, os registros amadores feitos nesse suporte e seus usos no cinema de arquivo brasileiro. Com essa pesquisa, procura contribuir para as reflexões acerca de práticas de contra-arquivo, debatendo a relevância de registros não-oficiais para a contrução de uma narrativa política coletiva no Brasil.
Coautor
- Gabriel Felgueiras Corrêa Papaléo Pinto (PUC-Rio)
Ficha do Trabalho
Título
- Origens do disparo fotográfico: entre os limites da reescrita e as possibilidades de novas poéticas
Eixo Temático
- ET 2 – INTERMIDIALIDADES, TECNOLOGIAS E MATERIALIDADES FÍLMICAS E EPISTÊMICAS DO AUDIOVISUAL
Resumo
- Em História potencial, a curadora Ariella Azoulay reflete sobre as origens da fotografia e aponta para a inexorabilidade da relação entre seus aparatos e o exercício do poder imperial. A cineasta Susana de Sousa Dias se alinha a Azoulay ao pensar nas tecnologias da fotografia e do cinema em seu contexto de produção colonial; porém, toma outro caminho ao propor novos usos para elas, num esforço de desvinculá-las de sua origem violenta. Neste artigo, contrastaremos as posturas das duas teóricas.
Resumo expandido
- Com o objetivo de discutir as possibilidades e os limites do cinema, da fotografia e do arquivo em seus usos, origens e ressignificações, colocaremos em diálogo duas obras audiovisuais de duas artistas e teóricas que muito contribuem para esse debate. Un-Documented, de Ariella Azoulay e Fordlandia Malaise, de Susana de Sousa Dias, propõem formas distintas de encarar imagens forjadas em suas origens por mecanismos imperiais.
Em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, além de inaugurar uma tradição de pensamento sobre as tecnologias de reprodução de obras de arte e se debruçar sobre a perda da “aura” que acontece nesse processo, Walter Benjamin também aponta para a possibilidade de manipulação das imagens no contexto moderno de reprodutibilidade e massificação. Na esteira de seu pensamento, muitos importantes teóricos como Susan Sontag, Roland Barthes e John Berger também abordaram a fotografia como campo de disputa política e estética, longe de ser uma representação fiel e neutra da realidade.
Paralelamente a essa tradição, outro campo passou a se desenvolver de modo complementar ao pensamento benjaminiano, principalmente nas últimas décadas. Considerar que as práticas fotográficas não são neutras é ponto de partida para estudos decoloniais contemporâneos que as consideram intrinsecamente ligadas a um sistema de poder imperialista. Autores como Frantz Fanon, Edward Said e Achille Mbembe vão argumentar que a identidade dos colonizados é construída através da ótica do colonizador com o auxílio de ferramentas que reforçam certos estereótipos, como seria o caso da fotografia.
São dessas fontes que bebe Azoulay em História potencial: desaprender o imperialismo. Ao se referir à câmera fotográfica como “arma do opressor”, ela se alinha a uma corrente de pensamento que vê a fotografia como dispositivo de dominação e é na narrativa de suas origens que ela vai buscar os argumentos que sustentam sua tese. Azoulay não apenas coloca as imagens como campo de disputa, mas o próprio aparato e seus mitos de criação. Não se trata apenas de analisar o uso que é feito hoje das imagens, mas também de entender a fotografia como um instrumento que nasceu a serviço do poder imperial.
Tais reflexões sobre a relação intrínseca entre regimes opressivos de poder e as imagens e aparatos fotográficos é tema também da obra da cineasta Susana de Sousa Dias. Também dentro de uma tradição benjaminiana, Dias faz uso do conceito de “história a contrapelo” e propõe um movimento de escavação do passado por uma ótica que não o trata como fato objetivo. Para além de publicar artigos e conceder entrevistas em que aborda diretamente a herança imperial das imagens, a cineasta coloca a questão em evidência em seus filmes, seja reenquadrando imagens de arquivo notadamente usadas por regimes de poder, seja utilizando os aparatos audiovisuais de forma crítica, sempre colocando em destaque e conflito seus mecanismos criados como forma de dominação.
Há, porém, diferenças nos gestos das duas pensadoras. Ainda que fale de um potencial e proponha ressignificações para a fotografia em sua obra, a israelense é reticente ao considerar usos possíveis dos aparatos fotográficos que fujam de sua idealização de opressão e reitera a todo momento o contexto violento em que foram criados. Já a portuguesa, em seus filmes, toma outro rumo, e, mesmo reconhecendo o histórico dos dispositivos tecnológicos que utiliza, procura maneiras de driblar sua natureza de controle e repressão, propondo novos usos não pensados em sua origem.
Quais as diferenças de pensamento que fazem a postura de ambas serem distintas? E que consequências têm cada uma dessas abordagens? É possível utilizar tecnologias tão sucumbidas pelos seus usos por governos genocidas de outras formas, propondo novas poéticas? Nosso trabalho pretende responder a essas e outras questões, colocando os escritos e práticas das duas em diálogo, atentando-se tanto para os conflitos quanto para as consonâncias entre eles.
Bibliografia
- AZOULAY, Ariella. História potencial: desaprender o imperialismo. São Paulo, Ubu, 2024.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. p. 165-196.
BERARDI, Franco. Futurability: the age of impotence and the horizon of possibility. Londres, Verso, 2017.
GRANDIN, Greg. Fordlândia: ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva. Tradução de Nivaldo Montingelli Júnior. Rio de Janeiro, Rocco, 2010.
HARTMAN, Saidiya. Vidas rebeldes, belos experimentos. Tradução Floresta. São Paulo, Fósforo, 2022.
MURARI, L., & ANDUEZA, N. (2023). A retomada das imagens contra o perigo iminente: entrevista com Susana de Sousa Dias. Revista Eco-Pós, 26, pgs. 352–372. https://doi.org/10.29146/eco-ps.v26i2.28181.
SOUSA DIAS, Susana. “Fordlandia Malaise: la mise en oeuvre”. In: “Fordlândia”. Paris, Presses du Réel, 2020, pgs. 126–137.