Ficha do Proponente
Proponente
- Pedro Peixoto Curi (ESPM Rio)
Minicurrículo
- Pedro Peixoto Curi é mestre e doutor pelo PPGCOM-UFF e graduado em Comunicação Social (Jornalismo) pela UFRJ. Pesquisa temas relacionados aos estudos de fãs, comportamento de públicos, televisão e convergência midiática. Atualmente é professor na ESPM Rio, onde coordena os cursos de graduação de Cinema e Audiovisual e Jornalismo.
Ficha do Trabalho
Título
- A novela do streaming: a batalha das plataformas pelo público brasileiro
Seminário
- Políticas, economias e culturas do cinema e do audiovisual no Brasil
Resumo
- Este trabalho analisa como a telenovela — enquanto obra audiovisual social — é mobilizada por diferentes plataformas no contexto da disputa por atenção e fidelização do público brasileiro. A partir de Beleza Fatal (Max) e do remake de Vale Tudo (Globo), investiga-se a articulação entre obra, estratégias de circulação e práticas do público em um ecossistema fragmentado, no qual o streaming transforma a novela em um novo campo de batalha dessa guerra que se prolonga no tempo, sem um final à vista.
Resumo expandido
- A telenovela ocupa um lugar central na formação do imaginário midiático brasileiro. Desde sua consolidação na televisão aberta, especialmente na programação da Rede Globo, esse formato não apenas organiza narrativas e estruturas de mercado, mas também participa ativamente da construção de práticas sociais e culturais que atravessam gerações. Muito além de um gênero ficcional, a novela se constitui como uma obra audiovisual social, marcada por rotinas compartilhadas, afetos mobilizados e repertórios que se estendem para além da tela.
Nas últimas décadas, com a fragmentação do consumo e o avanço das plataformas digitais, a televisão linear passou a dividir espaço com novos modelos de acesso, distribuição e fidelização. O Brasil tornou-se um dos principais campos de disputa entre serviços de streaming globais e agentes tradicionais do mercado audiovisual. No centro dessa disputa, a telenovela reaparece como ativo simbólico e estratégico, capaz de atravessar suportes, fidelizar públicos e redefinir posições no ecossistema midiático.
Este trabalho parte da observação de duas produções recentes — Beleza Fatal, da Max, e o remake de Vale Tudo, da Globo — para pensar como o formato telenovela é apropriado e reposicionado por diferentes agentes em meio à chamada guerra dos streamings no Brasil. A análise não se restringe aos produtos, mas considera também as estratégias de divulgação, circulação e recepção, bem como as práticas de espectadores que interagem com essas obras em múltiplos contextos.
Beleza Fatal representa a tentativa da Max de se inserir em um campo culturalmente consolidado, apostando em uma linguagem mais próxima da estética premium, com elenco conhecido e investimento em campanhas digitais que tensionam o lugar da novela entre o cinema e a TV. O projeto articula elementos reconhecíveis do melodrama com estratégias de engajamento típicas de produtos seriados internacionais, mirando um público híbrido que transita entre o consumo sob demanda e a memória do formato.
Já a nova versão de Vale Tudo atualiza um clássico da teledramaturgia brasileira, ativando um repertório afetivo e histórico profundamente vinculado à trajetória da Globo. A operação envolve tanto a recuperação de um conteúdo consagrado quanto sua recontextualização frente aos novos modos de circulação e acesso, como o streaming via Globoplay e a presença constante no canal Viva. Nesse movimento, a Globo reafirma sua autoridade sobre o gênero e também tenta responder às mudanças no comportamento da audiência.
A partir desses casos, propõe-se pensar como a telenovela permanece no centro das disputas contemporâneas por atenção e relevância cultural. Seu valor não reside apenas na capacidade de contar histórias, mas na forma como estrutura práticas de recepção, engajamento e pertencimento. Em vez de desaparecer diante das novas plataformas, a novela é reinscrita em outras lógicas de produção e distribuição, acionando sentidos que combinam tradição e inovação.
Ancorado em autores como Jenkins (2008), Gray (2010), Mittel (2010) e Curi (2015), este trabalho entende a telenovela como uma linguagem que ultrapassa o texto e se projeta como prática. Ao observar os modos pelos quais diferentes plataformas disputam esse formato — seja por meio da produção original, da revalorização do acervo ou da ativação de comunidades de fãs —, busca-se compreender como o audiovisual brasileiro responde às transformações do mercado sem abandonar certas continuidades que ainda operam com força no cotidiano do público.
A tal guerra do streaming, no Brasil, não se resolve só em termos de inovação tecnológica ou diversificação de oferta. Ela se prolonga em negociações lentas, disputas simbólicas e tentativas sucessivas de capturar práticas culturais que, em muitos casos, antecedem as plataformas e persistem apesar delas. É nesse contexto que a novela segue em cena — não como sobrevivência de um modelo antigo, mas como elemento ativo na reorganização dos modos de ver, narrar e pertencer.
Bibliografia
- BOLAÑO, César. Mercado brasileiro de televisão. São Paulo: Educ, 2004.
CURI, Pedro Peixoto. À margem da convergência: hábitos de consumo de fãs brasileiros de séries de TV estadunidenses. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2015.
GRAY, Jonathan. Show sold separately: promos, spoilers and other media paratexts. Nova York: New York University Press, 2010.
HOLZBACH, A.; CASTELLANO, M. (orgs.). Televisões: reflexões para além da TV. Rio de Janeiro: E-papers, 2018.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
JOHNSON, Catherine. Branding Television. Nova York: Routledge, 2012.
JOHNSON, Derek (org.). From Networks to Netflix: a guide to changing channels. Nova York: Routledge, 2018.
LOTZ, Amanda. Portals: a treatise on Internet-Distributed Television. Ann Arbor: Maize Books, 2017.
MITTEL, Jason. Television and American Culture. Nova York: Oxford University Press, 2010.