Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Cintya Ferreira Mendes (UFF)

Minicurrículo

    Cintya Ferreira é mestra pelo PPGCine/UFF com a dissertação “Filho da Lua: Zózimo Bulbul e as aproximações entre Compasso de Espera e Alma no Olho” que busca refletir acerca do cinema, do momento histórico, da experiência negra e do projeto artístico de Bulbul. Além do seu interesse pela pesquisa, também trabalha como montadora e oficineira no campo de cinema e educação. Atualmente cursa licenciatura em cinema na UFF.

Ficha do Trabalho

Título

    A distância de um oceano atlântico: uma análise de A Deusa Negra

Resumo

    A partir da análise do longa-metragem A Deusa Negra (Ola Balogun, 1979), de jornais da época e da comparação entre o roteiro e o que foi filmado, esta comunicação investiga os embates colocados em cena e os possíveis motivos para o relativo esquecimento da obra nas discussões de cinemas negros.

Resumo expandido

    “O primeiro filme afro-brasileiro”. Foi dessa forma que, em 1979, o Correio Braziliense anunciou o lançamento do longa-metragem A Deusa Negra (Ola Balogun, 1979), uma coprodução entre Brasil e Nigéria, dirigida pelo cineasta nigeriano Ola Balogun e estrelada por um elenco brasileiro, com nomes como Zózimo Bulbul, Jorge Coutinho, Sonia Santos e Léa Garcia. No filme, acompanhamos a jornada do nigeriano Babatunde, interpretado por Bulbul, que cumpre a promessa de seu bisavô: retornar ao Brasil em busca de seus familiares, que foram escravizados no país e não conseguiram voltar à terra natal. Apesar de seu pioneirismo como coprodução em um contexto de pan-africanismo e da interessante inversão da trajetória de retorno — não para a África ancestral, mas para um país cuja história se consolidou sob o regime escravocrata —, o filme não foi bem recebido na época e segue pouco discutido por pesquisadores e pelo público contemporâneo.

    No Brasil, o filme surgiu em meio a um regime militar que já durava mais de uma década e ao recente surgimento do Movimento Negro Unificado (MNU); na Nigéria, entre os protestos estudantis Ali Must Go e a implementação de uma nova constituição. Apesar desse cenário, Balogun opta por privilegiar o romance como símbolo da união entre os dois países. Na edição de 1º de junho de 1979 do Jornal do Brasil, o escritor e jornalista José Louzeiro tece a seguinte crítica ao filme: “Efeitos especiais precários, multidões na base de 50/100 figurantes, roteiro que termina sendo definitivamente ajustado na hora em que a câmera começa a rodar a primeira cena”. Embora sua crítica não seja infundada, é possível acrescentar que o filme segue uma estrutura narrativa clássica: o protagonista tem uma missão a cumprir, há um antagonista bem definido e um interesse romântico, e a trilha sonora é amplamente utilizada para preencher as cenas. Embora A Deusa Negra não se destaque pela inventividade ou pela experimentação estética, aspectos que poderiam ter compensado as limitações orçamentárias da produção, a obra apresenta múltiplos discursos, dentro e fora do filme, que demandam um olhar mais atento.

    A pesquisadora María Roof observa que “inicialmente as coproduções [entre países da América Latina e África] foram concebidas como modelos para o futuro, mas, em vez disso, acabaram se tornando exceções” (2004, p.252). Para além da particularidade do caso, o longa-metragem tampouco ocupa lugar de destaque nas filmografias de Balogun e dos atores brasileiros. Frequentemente, A Deusa Negra é mencionada como uma espécie de desvio — tanto na carreira do diretor, que transitou entre diferentes gêneros e idiomas, quanto na dos atores, que participaram de filmes mais emblemáticos e que se alinhavam melhor aos ideais do cinema brasileiro da época. Ainda assim, em uma entrevista ao Jornal do Brasil, Jorge Coutinho fez questão de enfatizar: “É um filme muito sério, não faz concessões. Até nas cenas de amor, a visão negra se sobressai.” (GROPILLO, 1979, p.4). O ator voltou a trabalhar com o diretor nigeriano no filme Cry Freedom (Ola Balogun, 1981).

    A Deusa Negra se propõe a evidenciar conexões e diferenças entre Brasil e Nigéria. As semelhanças se manifestam, sobretudo, na dimensão espiritual, enquanto a nacionalidade do protagonista permite desnaturalizar a organização social brasileira: a babá vestindo branco, o candomblé restrito a espaços periféricos e a própria descoberta do que é uma favela. No entanto, é no jogo das perspectivas que se criam distâncias incontornáveis: o tráfico transatlântico de escravizados e uma falsa simetria entre nigerianos e brancos europeus. A partir da análise do longa-metragem, de jornais da época e da comparação com o roteiro, investigaremos os embates que são colocados em cena e os possíveis motivos para o relativo esquecimento da obra.

Bibliografia

    BAMBA, Mahomed. O Cinema na África: dos contos ancestrais às mistificações cinematográficas. In: Andréa França; Denilson Lopes. (Org.). Cinema, Globalização e Interculturalidade. Santa Catarina: Argos – Editora da Unochapecó, 2010. p. 267-280.

    DEUSA Negra “O primeiro filme afro-brasileiro”. Correio Braziliense, Brasília, 25 ago. 1979. p. 19.

    GROPILLO, Ciléa. Entre a Nigéria e o Brasil, uma visão realista do negro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 maio 1979. p. 4.

    LOUZEIRO, José. Aqueles Probleminhas…. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1 jun. 1979. p. 2.

    OLA Balogun, da África contra o cinema multinacional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 fev. 1978. p. 2.

    ROOF, María. African and Latin American cinemas. In: PFAFF, Françoise (Org.). Focus on African films. Bloomington: Indiana University Press, 2004. p. 241 -256.