Ficha do Proponente
Proponente
- ANA CAROLINA ARAUJO ABREU (UFPA/PPGArtes)
Minicurrículo
- Amante da música e do universo Sound System em Belém do Pará. É doutoranda em Artes pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFPA. Mestre e licenciada em Artes Plásticas pela mesma instituição. Orientada por Alexandre Sequeira, desenvolve a pesquisa “Studio Som Jolie: imersão e encontro poético de um acervo sonoro” e projetos de investigação pessoal envolvendo memória e escuta.
Ficha do Trabalho
Título
- Studio Som Jolie em “Lopping”
Resumo
- O artigo reflete sobre o processo de criação da instalação que originou a exposição Studio Som Jolie: Replay, derivada da pesquisa sobre a sala de música de meu pai, o Studio Som Jolie. A partir da partilha de áudios, memórias da infância e vinis, a instalação rompe simbolicamente as paredes do espaço original, revelando outras dimensões sensíveis e poéticas desse lugar de afeto e escuta.
Resumo expandido
- O artigo apresenta o percurso de criação de uma instalação sonora concebida como experiência sensorial expandida, atravessando os limites da escuta para se inscrever no corpo e no espaço. A proposta surgiu em sala de aula, provocada por leituras, conversas e poéticas partilhadas entre colegas. Nesse contexto, emergiram questionamentos sobre o lugar do corpo na pesquisa, os modos de apresentação da obra e a própria sala de aula como território artístico e sensorial.
A instalação propôs uma escuta coletiva e imersiva, rompendo com formatos convencionais de fruição individualizada. O som, neste caso, deveria ocupar o espaço, reverberar e instaurar-se como experiência comum. Em diálogo com Hélio Oiticica e sua noção de quase-cinema, buscou-se criar uma ambiência que evocasse uma imersão sonora: um cinema sem imagens, onde as vozes ganham protagonismo na escuridão, atravessando os corpos e acionando memórias. Ao apagar todas as luzes, a percepção se desloca, intensificando a escuta e convidando a uma presença sensível e reflexiva.
O áudio utilizado na instalação trazia vozes coletadas em uma obra anterior, Replay, funcionando como um reenvio de experiências e afetos. O som, como a memória, move-se em ciclos: avança, retorna, rebobina. Cada escuta ativa uma nova camada de significação, e o próprio gesto de repetir transforma e ressignifica a experiência. A instalação propõe, assim, um espaço-tempo suspenso, onde o som não apenas documenta, mas reativa o vivido.
O processo criativo também se constitui como campo de investigação. Iniciar a criação — ou simplesmente apertar o play diante de uma coleção de discos — é um ato envolto em hesitação e descoberta. Como propõe Bergson (1975), a intuição opera como força propulsora, permitindo que ideias se reorganizem e que o inesperado se manifeste. Nesse percurso, a obra se revela aos poucos, entre acasos, hesitações e reorganizações.
O Studio Som Jolie, lugar de escuta, criação e memória, torna-se também arquivo afetivo. Mais que um acervo musical, é um espaço de entrelaçamentos entre imagens, objetos e sons, gerando narrativas híbridas. A pesquisa atual caminha para expandir esse olhar, compreendendo o arquivo como campo vivo e colaborativo. Novas experiências e histórias emergem quando o outro se inscreve no processo, ampliando as fronteiras do estúdio e ressignificando sua função artística e existencial. Oiticica aponta que a arte nasce da consciência de sua própria problemática, e não do aprisionamento em doutrinas — uma perspectiva que reverbera fortemente neste trabalho.
Expandir a pesquisa é, antes de tudo, um gesto poético, que busca ampliar o modo de estar no mundo como artista e pesquisadora. Esse movimento convida a escutar outras vozes e reconhecer singularidades na relação entre objeto e linguagem. A arte, nesse contexto, torna-se meio de atravessamento de memórias, encontros e percepções.
Construir uma poética é um desafio contínuo. Criar conexões a partir de um acervo musical pessoal e familiar implica tecer redes que se expandem com cada nova escuta e partilha. Pensar o processo criativo como sistema dinâmico abre espaço para o diálogo e para o acolhimento de outras presenças. Duchamp, ao propor a arte como colaboração, dissolve a separação entre artista e espectador, ecoando ideias da estética da recepção. A criação em rede transcende o gesto solitário e ativa a construção de uma experiência estética compartilhada.
Replay.
Bibliografia
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