Ficha do Proponente
Proponente
- Iulik Lomba de Farias (UFF)
Minicurrículo
- Doutorando em Cinema e Audiovisual pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Mestre em Antropologia Social pela UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) e Bacharel em Cinema e Audiovisual pela UFF (Universidade Federal Fluminense), tem interesse por Cinema Indígena, Cinema de Vanguarda, Antropologia Visual, Audiovisual Comunitário, Performance e Etnologia Ameríndia. Membro-idealizador do LADRAK (Laboratório de Dramaturgia e Kinopoéticas)
Ficha do Trabalho
Título
- A Proliferação do devir: imagem, xamanismo e clínica
Resumo
- Nesta apresentação desejamos compartilhar os resultados da pesquisa de doutoramento A Proliferação do devir: imagem, xamanismo e clínica, a ser defendida em maio de 2025, no PPGCINE/UFF. Nosso gesto será de olharmos para filmes indígenas e não-indígenas, inspirados pelas cosmologias ameríndias e seus regimes de xamanismo, que reconhecem a Imagem como um modo de existência agenciador de forças não-humanas que fabrica uma (des)estabilização na “saúde” dos corpos e das vidas afetadas.
Resumo expandido
- Nesta apresentação desejamos compartilhar os resultados da pesquisa de doutoramento A Proliferação do devir: imagem, xamanismo e clínica, a ser defendida em maio de 2025, no PPGCINE/UFF sob orientação de Cezar Migliorin. Nosso gesto será de olharmos para filmes indígenas e não-indígenas, inspirados pelas cosmologias ameríndias e seus regimes de xamanismo, que reconhecem a Imagem como um modo de existência agenciador de forças que fabrica uma (des)estabilização na “saúde” dos corpos e das vidas afetadas. Propomos, portanto, relacionarmos as imagens fílmicas e as imagens xamânicas Wajãpi, Kaiowá, Yanomami, Huni Kuin e etc, para pensarmos uma pragmática das imagens, dada a indiscernibilidade entre mundos humanos e não-humanos, que nos inspiram a pensar uma potência clínica das imagens que exaspera os sistemas autóctones de conhecimento. Se para o pensamento indígena, filosofia, mitologia e ciência nunca se dissociaram, é exatamente nessa não-desconexão que um novo regime político das imagens pode nos atravessar.
Vejamos um breve mosaico das imagens convocadas pelas cosmologias ameríndias: os Huni Kuin convivem com os yuxim, seres-imagem invisíveis para a maioria dos humanos, causadores de variadas enfermidades e que devem ser exaustivamente combatidos pelos xamãs por procedimentos estéticos, (pg. 147 LAGROU 2018) – imagens invisíveis que desejam adoecer aos humanos, mas com quem, por outro lado, mantemos abertas relações, que devem ser estabilizadas esteticamente; já entre os xamãs Yanomami, por sua vez, é necessário “fazer descer” os xapiri, espíritos-imagem que ao dançarem no centro da aldeia contribuem para que os humanos não adoeçam, e mesmo que para a maior parte dos humanos tais “imagens” permaneçam invisíveis, uma espécie de irradiação emana dessas imagens-xapiri, ativando “mais” saúde sobre os corpos (KOPENAWA; ALBERT, 2010); e ainda, no outro extremo do continente, para os Navajo, as imagens, sejam elas oriundas do design dos tecidos ou de uma película cinematográfica, precisam ser feitas visíveis, pois sua visibilidade faz agir o hózhó, operador cosmológico da produção de bem-estar no mundo (GONÇALVES 2016).
Essa modulação entre imagens visíveis e invisíveis passou a figurar como problema central de nosso empenho teórico e analítico durante a escrita da tese, nos convocando a manejar um gesto metodológico em duas direções: A) a não-correspondência entre imageticidade e visibilidade; e B) a indissociabilidade entre imagem e clínica-, triangulação que as práticas xamânicas colocavam em evidência, e que fornecia contornos para a hipótese de que haveria uma espécie de devir-feiticeiro nas imagens, que o xamanismo nos dá a ver, e que acreditamos também dizer respeito ao cinema.
Mesmo que xamãs e cineastas se ocupem de imagens diferentes, eles compartilham das mesmas agendas: manejar, intensificar e potencializar as agências dessas imagens. Desse ponto de vista, as imagens operam como tecnologias de inferência na (des)estabilização da vida e da saúde dos corpos, o que produz uma montagem entre cinema e clínica que nos interessa; já que as imagens, vistas com as lentes ameríndias, são dotadas de afecções conectadas aos regimes de práticas que adoecem e curam; o que nos intui a dizer, que as imagens cinematográficas também estão encharcadas de uma certa feitiçaria, análoga à que agem os xamãs.
Para tanto, traremos a leitura de teorias perspectivistas, etnografias e filmes, que nos parecem esboçar uma espécie de “feitiço” das imagens, que ativaria um devir-saúde nos corpos, nos mundos e nos territórios subjetivos passíveis de serem experimentados; e todo esse percurso será infiltrado por experiências práticas em grupos clínicos orientados pelo Kumã (Laboratório de Pesquisa em Imagem e Som/UFF) e pela Casa Jangada (Espaço Transdisciplinar de Trabalho Clínico/RJ), além de encontros da disciplina Linguagem Audiovisual, que ministramos de 2019 a 2025 no Magistério Indígena Guarani Mbya, na aldeia Sapukai em Angra dos Reis-RJ.
Bibliografia
- BRASIL, André. Ver por meio do invisível: o cinema como tradução xamânica. Revista Novos Estudos. v. 35.03. São Paulo, 2016.
BRASIL, André; BELISARIO, Bernard. Desmanchar o cinema: variações do fora-de-campo em filmes indígenas. Revista Sociologia e Antropologia. V. 06.03. Rio de Janeiro, 2016.
DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo. Editora Brasiliense. São Paulo, 2018.
DELEUZE, Gilles. A Imagem-Movimento. Editora Brasiliense. São Paulo, 2018.
GONÇALVES, Marco Antonio. Intrépidas Imagens: cinema e cosmologia entre os Navajo. Revista Sociologia-Antropologia. V. 06. 03: 635-667. Rio de Janeiro, 2016.
KOPENAWA, Davi & ALBERT, Bruce. A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami. Editora Companhia das Letras. São Paulo, 2010.
LAGROU, Els. Arte Indígena no Brasil: agência, alteridade e relação. Editora C/Arte. Belo Horizonte, 2009.
MIGLIORIN, Cezar. Cinema e Clínica: a criação em processos subjetivos e artísticos. Editora UFRJ. Rio de Janeiro, 2022.