Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Denise Costa Lopes (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Doutora em Artes Visuais pela EBA/UFRJ, com bolsa CAPES na Université Lumière Lyon 2. Professora do Departamento de Comunicação da PUC-Rio desde 2010 e de cursos livres independentes de Cinema, Pintura e Arte Contemporânea. Leciona em cursos de cinema desde 2005, com passagens pela UFF, UNESA e ECDR. Mestre pelo Departamento de Cinema da UFF. Bacharel em Comunicação pela ECO/UFRJ. Sua área de interesse se encontra na confluência do cinema com as outras artes, em especial com a pintura.

Ficha do Trabalho

Título

    Imaginário amazônico em PB: A estética em “Retrato de um certo Oriente” como opção política

Mesa

    Imaginários Amazônidas: Mitos, Imagens e Zonas de Turbulência

Resumo

    O objetivo aqui é investigar o uso do preto e branco como opção política em Retratos de um certo oriente (2024), de Marcelo Gomes. Que imaginário essa estética suscita? Passada na Amazônia em 1949, a história dos irmãos que chegam do Líbano, depois de perderem suas terras, traça uma espécie de cartografia às avessas do imaginário regional a partir de uma visualidade que dialoga com a tradição dos registros de viagens dos conquistadores estrangeiros e com os primórdios do cinema e da fotografia.

Resumo expandido

    Retrato de um certo Oriente (2024), de Marcelo Gomes, foge do folclórico, do exótico e dos clichês para falar da Amazônia como um lugar de exílio, povoado por memórias longínquas e ancestrais, línguas diversas, desejos viscerais e disputas seculares por terra. Para revelar a floresta a partir desse olhar estrangeiro e retrabalhar um imaginário há muito arraigado, elege um preto e branco nuançado, com desfoques, texturas e sobreposições fluídas de imagens. No lugar da fauna e flora exuberantes, coloridas, expõe árvores, rios, céus que não se sobrepõem ao homem, mas o envolvem de forma enigmática numa paisagem ao mesmo tempo fascinante e amedrontadora. A escolha estética parece seguir uma lógica política: ter o homem com seus interditos, desejos, pressões socioeconômicas, dogmas religiosos no centro e a natureza não como dominante, superior e opressora, mas como expressão e motivação dessa ebulição interior.
    A visualidade produzida pelos viajantes da região no passado é resgatada de alguma forma pelo PB e suscita, com efeito, um imaginário calcado no real, instigante e quase fantasmagórico, que parece problematizar o misticismo que envolve as “descobertas” da Amazônia desde a expedição espanhola de Francisco de Orellana, entre 1541-1542. As imagens das famosas incursões Rondon-Roosevelt (1913-1914), Roncador-Xingu (1943), Xingu (1960) são fatalmente lembradas, reforçando o tom documental da ficção e alguma filiação à tradição desses registros. Amazonas, o maior rio do mundo (1921) e No país das Amazonas (1922), de Silvino Santos, são outras correlações inevitáveis que agenciam uma vasta cartografia do imaginário repleta de mitologias e lendas que cerca a Amazônia.
    Inspirado no premiado livro de estreia do amazonense de descendência libanesa Milton Hatoum, Relato de um certo Oriente (1989), o longa evoca também com sua estética imagens do início do cinema e da fotografia, promovendo um diálogo no tempo com a herança arqueológica da sétima arte. Gomes declarou que a escolha do PB foi uma forma de homenagear clássicos do cinema, como Nosferatu, O encouraçado Potemkin e Limite, e que as sobreposições de imagens foram inspiradas em cenas de Hiroshima, Meu Amor. Lentes de 1870 do início da fotografia na Inglaterra foram adaptadas nas câmeras de filmagem para conferir a atmosfera de épocas passadas e dar a sensação de um desfilar de memórias. O longa instaura assim uma ambiência que o aproxima das chamadas culturas míticas ou das origens (Loureiro).
    O cuidado no uso do PB confere densidade e verdade à história dos irmãos que chegam do Líbano, em 1949, na Amazônia, expulsos pela guerra deflagrada após a criação do Estado de Israel. A perda da terra natal, que traça paralelo com a usurpação das terras indígenas, e a oposição entre deserto árabe seco, árido e rígido e floresta amazônica úmida, fértil e mítica são intensificadas por enquadramentos precisos e controles perfeitos da luz, que ressaltam o estranhamento dos estrangeiros, especialmente com a abundância da água e a noite na floresta. A água tem papel importante. Filmada praticamente negra nas cenas de tempestade em alto mar e sedutora nos rios, funciona como “um elemento da imaginação materializante” (Bachelard,1998, p.12) capaz de expressar uma complexidade de emoções.
    O trabalho fotográfico em PB da paraense Elza Lima, segundo Gomes, foi a referência primeira na busca por uma nova visualidade cosmológica amazônica. Elza se insere na vasta tradição fotográfica da região que tem a Amazônia como expressão da relação do homem com a natureza. Ela traça paralelos entre as amazonas quinhentistas e as mulheres ribeirinhas de hoje, resgatando e ressignificando a força de mitos antigos. Na busca por um ethos-estético poético amazônico, o filme parece ter seguido a mesma lógica. Foi ao passado para tirar dele o que há de melhor e explorar o avesso da função estética enraizada na cultura amazônica, criando um lugar de alteridade, onde o homem se integra ao meio ambiente em pé de igualdade.

Bibliografia

    Bachelard, G. (1998). A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes.
    Batista, D. (2003). Amazonia: cultura e sociedade. Manaus: Valer.
    Girardet, R. (1987). Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Cia das Letras.
    Gondin, N. (2019). A Invenção da Amazônia. Manaus: Valer.
    Gumbrecht, H. U. (2014). Atmosfera, ambiência, stimmung: Sobre um potencial oculto da literatura. Contraponto: Ed. PUC-Rio.
    Krenak, A. (2020). Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia das Letras.
    Loureiro, J. J. P. (2019). Cultura amazônica hoje: Uma poética do imaginário revisitada. Belém: Secult.
    Mokarzel, M. Expedição Elza Lima: imagens e lendas de um real construído. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/20737/11894 . Acesso em: 05/04/2025.
    Salles, J. M. (2022). Arrabalde: Em busca da Amazônia. São Paulo: Cia. das Letras.
    Wunenburger, J. (2007). O imaginário. São Paulo: Ed. Loyola.