Ficha do Proponente
Proponente
- Guryva Cordeiro Portela (USP)
Minicurrículo
- Mestre em artes da cena (unicamp) estudos do corpo afro-indígena; doutor em multimeios (unicamp) estudos do corpo no cinema, um olhar sobre o coro japonês; pós-doutorando (antropologia – USP) estudos da relação dos terreiros de macumba e do carnaval em Pernambuco com ênfase nos maracatus. Ator, palhaço popular e artista criador, com foco no teatro popular e na corporeidade afro-indígena do nordeste do Brasil.
Ficha do Trabalho
Título
- AZOUGUE NAZARÉ – Resistência e guerra sociocultural
Resumo
- Proponho o olhar sobre corpo afro-indígena e a relação entre a macumba e a ascensão dos neopentecostais, através da análise do filme Azougue Nazaré (2018) de Tiago Melo. Um processo de dominação dos corpos e de suas culturas que refletirá diretamente nas tradicionais manifestações populares de carnaval. Como foco trançar uma perspectiva que contribua para os estudos do cinema afro-diaspórico. A partir da análise da disputa pelos corpos dentro do brinquedo de carnaval X os neopentecostais.
Resumo expandido
- Proponho discutir signos presentes no filme Azougue Nazaré de Tiago Melo, que refletem uma disputa contemporânea do Brasil, o processo de cooptação dos corpos afro-indígenas brasileiros pelos seguimentos evangélicos neopentecostais. Estes corpos em disputa estão latentes no filme e escancaram um debate que se faz fundamental ao pensamento afro-diaspórico e indígena brasileiro atual.
O filme traz para o debate a cooptação por parte dos evangélicos neopentecostais, dos brincadores populares, traça uma linha com uma das personagens principais, a Catita (personagem de homem travestido em mulher que, na galhofa, é responsável por abrir o caminho do maracatu) e a transformação de um mestre de maracatu rural (manifestação popular que ocorre no ciclo carnavalesco de Pernambuco, e que tem na formação homens e mulheres negras e indígenas (caboclos) e em sua maioria trabalhadores braçais, domésticos e etc), estes mestres e mestras são mediadores culturais da comunidade, fornecendo a experiencia da ancestralidade as novas gerações e criando uma resistência potente dos povos caboclos da região. À medida que são essas relações corporais e de movimentos (gestos e posturas dos corpos) entre os grupos étnico raciais que compõem a sociedade aqui abordada, é que a tentativa de domínio cultural por parte dos preceitos neopentecostais se debruça.
A abordagem desta apresentação traça uma perspectiva das relações dos terreiros de macumba, do maracatu e a “guerra santa” travada por grupos extremistas neopentecostais na apropriação da narrativa popular como forma de silenciamento destes corpos culturais, está perspectiva se espalha em larga escala por todas as manifestações oriundas dos terreiros no Brasil. Nesta tentativa de dominação dos corpos por parte do pensamento cristão neopentecostal, e consequentemente das narrativas de mundo, que por meio do qual podemos refletir sobre os corpos na construção de imagens e potência de resistência. Corpos esses que foram gestados nos conflitos étnicos raciais, de gênero e sexualidade enraizados nas camadas estruturais do país e que se veem em constate embate com as religiões brancas e eurocêntricas dominantes.
O cinema, como arte de propagação e de difusão de imagem com maior amplitude em termos de território, teria como uma possibilidade pôr em evidência outras formas de mundo, outras cosmogonias e não apenas reproduzir padrões já enraizados da cultura eurocêntrica. Portanto, pôr em evidência a imagem do corpo negro-indígena e como se reverbera no cinema e assim ampliar o debate da construção de ícones através dos arquetípicos culturais religiosos brasileiros.
Na metodologia da análise fílmica, observo os corpos das imagens em movimento para pensarmos o processo de violação (ou tentativa de violação) destes corpos através da dominação das brincadeiras populares, neste caso, manifestações carnavalescas, que estão no DNA do corpo cultural brasileiro e como recorte, como essas forças políticas religiosas podem influenciar esses corpos como criadores de metáfora. Por tanto trago para o debate a pesquisadora Leda Maria Martins (2023), Claudia Alexandre (2022) e Vagner Gonçalves da Silva (2022), na compreensão do signo do corpo como metáfora a partir do referencial dos movimentos, gestos e corporeidade afro-indígena como tropos de identidade cultural brasileira e das forças dos encantados das macumbas como forças transformadoras da vida e de resistências. A entidade Exu entra neste estudo como a força mediadora capaz de alterar as condições desfavoráveis por meio do uso da força dinâmica que move o mundo.
Por isso, o desafio que proponho é pensar e imaginar linhas de força e de resistência a partir de análise de corpos colocados historicamente à margem social, corpos dissidentes, que vivem, se articulam, fundam e refundam a vida diariamente, pensar esses corpos além das perspectivas que foram impostas secularmente, olhar para essas existências como corpos-metáforas de mundo.
Bibliografia
- ALEXANDRE, Claudia. Exu Feminino e o matriarcado nagô: indagações sobre o princípio feminino de Exu nas tradições dos candomblés yorubá-nagô e a emancipação da Exu de Saia. São Paulo: (PUC-SP), 2022
BASTIDE, Roger – As religiões africanas no Brasil. Pioneira, São Paulo, 1985.
FU-KIAU, Kimbwandende Kia Bunseki. African Cosmology of the Bantu-Kongo: Principles of Life & Living: Principles of Life and Living. Athelia Henrietta Pr; 2ª edição 2001
GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: SILVA, L. A. et al. Movimentos sociais urbanos, minorias e outros estudos Ciências Sociais Hoje, n. 2, Brasília, ANPOCS,1983.
LIGIÉRO, Zeca. Corpo a corpo: Estudos das performances brasileiras. 1 ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.
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SILVA, Vagner Gonçalves da. Exu. Um deus afro-atlântico no Brasil. São Paulo, EDUSP, 2022.