Ficha do Proponente
Proponente
- Leonardo Bomfim Pedrosa (PUCRS)
Minicurrículo
- Possui graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2009), mestrado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2012). Doutorado na Escola de Comunicação, Artes e Design na PUC-RS (2022). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Cinema, atuando principalmente no seguinte tema: cinema moderno, novos cinemas. Pesquisador do grupo de pesquisa Kinepoliticom https://orcid.org/0000-000
Ficha do Trabalho
Título
- She’s leaving home: revisitações radicais de Rastros de Ódio em filmes de Friedkin e Akerman
Resumo
- Uma investigação sobre a centralidade da referência de Rastros de Ódio (The Searchers, 1956), de John Ford, no cinema produzido nos Estados Unidos nos anos 1970, tendo como foco a comparação do faroeste com duas revisitações radicais em torno da figura da “filha perdida”: O Exorcista (The Exorcist, 1973), de William Friedkin, e Notícias de Casa (News from Home, 1976), de Chantal Akerman.
Resumo expandido
- Rastros de Ódio (The searchers, 1956) é um filme farol para a Nova Hollywood, a geração que reconfigurou o cinema dos Estados Unidos a partir da segunda metade dos 1960. Em artigo publicado em 1979, Stuart Byron observou que “se toda a literatura moderna nasce de Huckleberry Finn, como disse Ernest Hemingway, pode-se afirmar que todo o cinema recente dos EUA deriva da obra de Ford” (1979, p.45). O autor refletia sobre essa referência ao destacar um lançamento de Paul Schrader abertamente inspirado no faroeste: Hardcore – No Submundo do Sexo (Hardcore, 1979), história de um pai Calvinista fervoroso que penetra as entranhas do universo do cinema pornográfico, em Los Angeles, em busca da filha desaparecida. Byron cita outras obras setentistas de diretores como Steven Spielberg, Michael Cimino e Martin Scorsese para exemplificar como filmes de diversos gêneros revisitavam a trama do “searcher” que inicia uma longa jornada para recuperar a “filha perdida” raptada por Comanches.
Reconfigurando a situação do rapto de uma criança para desaparecimentos misteriosos e fugas deliberadas de jovens em meio a um contexto de conflito geracional nas décadas de 1960 e 70, pode-se afirmar que as obras produzidas no período da Nova Hollywood reelaboram o maior temor explicitado no faroeste dos anos 1950: é possível, de fato, trazê-la de volta?
Nesse sentido, o reencontro entre o “searcher” e a “filha perdida” – coroado com o lendário plano em que o veterano da Guerra Civil ergue a jovem raptada e diz “let’s go home, Debbie” – torna-se a imagem central a ser recriada em praticamente todas as revisitações posteriores.
REVISITAÇÕES RADICAIS
Levando em consideração vários aspectos desenvolvidos em Rastros de Ódio – a figura trágica do “searcher”, a hipótese da inocência perdida em um território “selvagem”, a relação do desaparecimento com a invasão de um lar, a jornada exaustiva para que o resgate seja concretizado, pode-se vislumbrar que, entre todas as revisitações fordianas, uma das mais radicais, no sentido de buscar a essência dos pontos explorados pelo diretor, é o arrasa-quarteirão que William Friedkin criou para aterrorizar toda uma geração de pais e filhos. Em O Exorcista (The Exorcist, 1973) a releitura do plano clássico do faroeste de Ford pode ser vista no ápice do longo processo de exorcismo, com o confronto desesperado entre o “searcher”, o padre contatado pela mãe, e a “filha perdida”. As mãos decididas na cintura de Debby dão lugar às mãos trêmulas no pescoço da menina possuída pelo demônio; a reconciliação familiar não nasce de um gesto afetivo, mas de um ato extremo marcado pelo horror dentro da casa da família.
Diretora belga com passagens importantes na cena experimental dos EUA, Chantal Akerman conduziu Notícias de Casa (News from Home, 1976) com a justaposição entre a leitura de cartas enviadas pela sua própria mãe no início dos anos 1970, quando vivia em Nova York, e imagens da cidade registradas posteriormente.
A “filha perdida”, aqui, é a própria diretora que saiu de casa aos 21 anos rumo à metrópole norte-americana. A reiteração dos pedidos nas cartas, em uma abordagem carinhosa e persuasiva, situa a mãe como a figura de “searcher” distante, revelando a angústia de quem teme não ser possível trazer a filha de volta. A radicalidade estética do filme de Akerman explicita diversos aspectos de radicalidade do filme de Ford (a presença do relato epistolar como meio de ruptura da narrativa clássica, é um exemplo), mas, em especial, destacamos a apresentação da perda da referência em relação à ideia da casa, aqui evidenciado na própria ambiguidade do título. De onde vêm as notícias? Onde está a casa no filme? Em um sentido mais frontal dentro do topos identificado nas revisitações, encontramos nos filmes de Friedkin e Akerman a explicitação de um elemento abertamente político no filme de 1956, o retorno a casa como um processo inevitavelmente violento e traumático.
Bibliografia
- ARROBA, Álvaro, “Entrevista con Alexander Horwath. Sobre la programación y el cine comparado [con la colaboración de Olaf Möller]” en: Cinema Comparat/ive Cinema, n.1, 2012, pp. 12-31
AUMONT, Jacques (Org.). Pour un cinéma comparé: influences et répétitions. Paris: Cinémathèque française, 1996.
BYRON, Stuart. Super-Cult Movie of the New Hollywood. New Yorker Magazine, 1979.
MARGUILES, Ivone. Nada Acontece: O Cotidiano Hiper-realista de Chantal Akerman. Edusp, 2016.
OLDMEADOW, Harry. Tracking John Ford’s “The Searchers”: A Survey of Its Critical Reception. Journal of Media & Cultural Studies, 1994.
SOUTO, Mariana. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia, n. 45, 2020.
THORET, Jean-Baptiste. Le cinéma américain des années 70. Cahiers du Cinéma, 2009.