Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    LARISSA SHAYANNA FERREIRA COSTA (UFMG)

Minicurrículo

    Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, com mestrado e graduação em Comunicação Social pela mesma instituição. Sua dissertação venceu o Prêmio Socine 2024 na categoria Inovação e Impacto. Também tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente, pesquisa imagens das mulheres camponesas em documentários brasileiros produzidos desde os anos 1980 até o cinema contemporâneo.

Ficha do Trabalho

Título

    Protagonismo feminino (e feminista) de Vó na luta pela terra em Chão (Camila Freitas, 2019)

Seminário

    Cinemas, Comunidades, Territórios: interpelações aos gestos analíticos

Resumo

    As imagens das Sem Terra são inscritas em documentários brasileiros desde as origens do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e das primeiras imagens que retratam a luta pela terra no país. Partimos do filme Chão (Camila Freitas, 2019), direcionando nosso olhar para o protagonismo feminino e feminista de Vó, uma mulher velha e militante aguerrida. Sem idealizações, essa personagem complexifica questões de gênero e nos informa elementos próprios do Feminismo Camponês Popular.

Resumo expandido

    As imagens das Mulheres Sem Terra foram inscritas em documentários brasileiros desde as origens do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Elas também se fazem presentes nos registros que retratam a luta pela Reforma Agrária Popular, conceito elaborado por Bastos (2018), no país. Com limites e potencialidades, tais imagens acompanham, no tempo, a consolidação organizativa do MST como movimento social e a auto-organização das Sem Terra, que têm elaborado, a partir da teoria e da prática, o Feminismo Camponês Popular, discutido por Calaça (2021). Partimos aqui do filme Chão (Camila Freitas, 2019), direcionando nosso olhar para o protagonismo feminino e feminista, com foco nas aparições de Vó, como é chamada dona Natalina Cândida, militante aguerrida do MST. A partir do contexto do movimento e da produção do filme, podemos dizer que Chão complexifica a noção de gênero e desafia padrões de aparição das mulheres Sem Terra no cinema?

    Como argumenta Oliveira (2019), Chão, que acompanha a luta do MST em Goiás, especialmente no Acampamento Leonir Orback, revela, em sua forma fílmica, uma permeabilidade à estratégia e às pautas do movimento. De modo geral, em suas aparições, falas e mise-en-scènes, as Sem Terra impõem condições vinculadas à estratégia de luta do MST, cujas estruturas organizativas se modificaram ao longo dos anos no sentido de incorporar as mulheres, jovens e LGBTI+ em seus espaços de decisão. A opção do movimento pela paridade de gênero em todas as suas instâncias, por exemplo, é um elemento que impacta diretamente na construção histórica das mulheres como sujeitas Sem Terra, consequentemente, na forma como elas serão retratadas nas imagens (MESQUITA e COSTA, 2023).

    Chão parece fazer de Vó uma personagem que é porta-voz da esperança. Uma mulher velha, que carrega nas rugas de seu rosto as marcas do tempo, da vida e da luta árdua pela reforma agrária. Sem dramatizações ou idealizações e longe de impor uma lógica de mercado que circunda o “envelhecimento ativo”, tal como concebido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o filme retrata Vó preenchida de futuro, de vontade de viver e fazer acontecer, com a consciência de que a luta se dá a longo prazo, e que talvez sejam seus filhos e netos que colherão os frutos, como ela mesma disse em debate virtual promovido pelo Projeto Paradiso. É a dimensão da coletividade, que talvez diferencie o aparecimento de Vó da maioria das imagens das protagonistas velhas do cinema. É uma perspectiva que ultrapassa o indivíduo, localizando o envelhecimento no coletivo.

    No entanto, parece-nos que os feminismos, com todos os avanços nos debates e elaborações teórico-práticas sobre as vivências das mulheres – em sua diversidade -, de modo geral, pouco se preocupam com as mulheres velhas. A produção acadêmica que converge os temas feminismo e envelhecimento ainda é escassa, e a velhofobia é uma violência que se perpetua na sociedade capitalista e patriarcal, que ainda valoriza e incentiva a juventude, a magreza e a branquitude. Para Debert (2013), o desinteresse das feministas pela velhice poderia ser explicado pelo medo de envelhecer ou por certa repulsa ao corpo envelhecido, questões próprias do sexismo das sociedades de consumo.

    A obra de Camila parece romper com esse silêncio sem necessariamente colocar o tema em questão. É o corpo, a fala e a ação de Vó que nos permitem pensar que o envelhecimento não é algo homogêneo na sociedade e que pode ser visto como algo potente. Após uma sequência de ventania, na cena final, por exemplo, Vó é filmada, com a câmera fixa posicionada de frente a um pôr do sol, regando a horta que emerge verde e rompe com o vermelhidão da terra batida do cerrado goiano. Na nossa análise, Vó, com seu corpo, sua voz e sua presença, complexifica as questões de gênero e nos informa elementos próprios do Feminismo Camponês Popular. Enquanto o sonho do lote não se realiza, ela permanece cultivando a terra e a esperança de que a realidade, um dia, vai mudar.

Bibliografia

    BASTOS, Pablo. Desafios políticos e dialógicos ao projeto de Reforma Agrária Popular do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Revista Eptic. Vol. 20, nº 1, jan-abr. 2018.

    CALAÇA, Michela. Feminismo camponês popular: contribuições à história do feminismo. Ruris. Campinas (SP). Vol. 13, nº 1, p. 29-66. 2021.

    DEBERT, Guita. Feminismo e velhice. Sinais Sociais. Rio de Janeiro. Vol. 8, nº 22, p. 9-86. Maio-Ago. 2013.

    MESQUITA, Cláudia; COSTA; Larissa. O “devir mulher Sem Terra” em imagens históricas do MST. In: ARAÚJO, Cris; JOTA, Fábio (orgs.). Cadernos Lona: Tempo / Cris Araújo e Fábio Jota. Belo Horizonte (MG): Tuya Edições, 2023.

    OLIVEIRA, Vinícius. Tempo de cultivo. In: Catálogo do forumdoc.bh 2019 – Festival do Filme Documentário e Etnográfico. Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2019b.

    RIBEIRO, Aline; CERQUEIRA, Monique. O envelhecimento contemporâneo no cinema: corpo, sexualidade e cotidiano. Memorialidades, n. 21, jan./jun. 2014, p. 29-55.