Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Liciane Timoteo de Mamede (Unicamp)

Minicurrículo

    Liciane Mamede é pesquisadora, curadora e produtora cultural. É doutora em Multimeios pela Unicamp (2025), com período de doutorado sanduíche na Universidade Paris 3 – Sorbonne Nouvelle (2022). Possui graduação em Comunicação Social pela Unesp (2004) e mestrados em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (2014) e em Valorização do Patrimônio Audiovisual pela Universidade Paris 8 (2017).

Ficha do Trabalho

Título

    O arquivo como forma de institucionalização das práticas audiovisuais experimentais

Seminário

    Arquivo e contra-arquivo: práticas, métodos e análises de imagens

Resumo

    Esta comunicação analisa, em perspectiva comparada, quatro arquivos audiovisuais criados a partir dos anos 1960 como expressão de uma militância por narrativas produzidas à margem da indústria. Arsenal, Light Cone, Centro Pompidou e Videobrasil consolidam-se, nos anos 1990, como instituições arquivísticas, reafirmando o papel político do arquivo na preservação de obras historicamente marginalizadas.

Resumo expandido

    Em que medida a criação de um arquivo pode embasar um projeto político? Como a constituição de uma coleção e, mais especificamente, de uma instituição arquivística, pode reafirmar a existência de obras audiovisuais que resistem às formas hegemônicas de produção, circulação e recepção? Referimo-nos aqui a um cinema que, a depender do contexto, recebeu diferentes denominações: experimental, militante, jovem, underground, marginal, independente, de vanguarda. A partir dessas questões, propomos o objeto desta comunicação, resultado de nossa pesquisa de doutorado, cujo propósito é apresentar, numa perspectiva comparada, quatro estudos de caso de arquivos audiovisuais criados a partir dos anos 1960 como fruto de uma militância específica: aquela que visava demarcar um território historiográfico para obras produzidas fora dos parâmetros da indústria.
    Serão discutidos os casos do Arsenal, em Berlim; da Light Cone e do Centro Pompidou, em Paris; e da Associação Videobrasil, em São Paulo. Em todos eles, uma virada patrimonial ocorreu principalmente nos anos 1990, quando essas instituições passaram a se reconhecer como guardiãs de coleções raras – em grande parte por seu histórico interesse em obras marginalizadas, que nunca circularam amplamente.
    Antes desse momento, o Arsenal, criado como Amigos da Cinemateca Alemã em 1963, atuava sobretudo na organização da seção Fórum do Cinema Jovem da Berlinale (desde 1971), além de manter sua sala de cinema e distribuir filmes. A Light Cone surgiu nos anos 1980 como distribuidora de filmes experimentais, seguindo o modelo das cooperativas dos anos 1970, inspiradas na Film-makers’ Coop de Nova York. O Videobrasil, por sua vez, foi criado em 1983 como festival de vídeo, contribuindo para a valorização desse suporte no contexto brasileiro. Já o Centro Georges Pompidou, museu estatal francês fundado em 1977, foi incluído no corpus por compartilhar o mesmo horizonte histórico das instituições privadas. Sua emblemática coleção de filmes – até hoje sob a designação “cinema experimental” – tornou-se território de disputas por um novo cânone.
    Como lembram Elsaesser e Hagener, as teorias e histórias do cinema frequentemente se desenvolveram em estreita relação com as instituições – revistas, cinematecas, festivais e departamentos universitários (2018, p. 10). Nesse sentido, Horak observa que os movimentos cinematográficos só podem ser delimitados historicamente se forem reconhecidos por seus modos específicos de produção, distribuição, exibição e recepção, extrapolando abordagens estéticas (1995, p. 5). Esses autores destacam a importância dos contextos e marcos institucionais como forças políticas estruturantes da história do cinema.
    Essa compreensão não era estranha aos grupos ativistas que, a partir da segunda metade do século XX, passaram a se articular em defesa de formas audiovisuais contra-hegemônicas. Eles perceberam que, para existir, era necessário estruturar-se institucionalmente, garantindo espaços de circulação e formação de público. O acúmulo crítico e teórico ao longo das décadas foi decisivo nesse processo. Além disso, esses movimentos ganharam força nos anos 1960 e 1970, no contexto das lutas por direitos civis, da contracultura e de um ambiente de crise dos suportes tradicionais.
    A virada patrimonial pode, assim, ser entendida como um desdobramento institucional de práticas militantes que, ao reivindicarem um espaço historiográfico, passaram a construir ativamente suas próprias condições de permanência. A produção de discursos institucionais a partir das coleções e arquivos é uma via de diálogo com as instâncias de poder. Como afirma Pontus Hultén: “A coleção é a espinha dorsal de uma instituição; ela permite sobreviver num momento difícil (…). Caso contrário, a instituição não tem uma base real. (…) No dia em que alguém chega à conclusão de que aquilo é muito caro, está tudo acabado. Tudo se perde sem deixar vestígios” (apud Obrist, 2010, p. 66-67).

Bibliografia

    ELSAESSER, Thomas. Cinema como arqueologia das mídias. São Paulo: SESC, 2018.

    ELSAESSER, Thomas & HAGENER, Malte. Teoria do cinema: Uma introdução através dos sentidos. Campinas: Papirus, 2018.

    FOUCAULT, Michael. A arqueologia do saber. 8a ed., Rio de Janeiro: Forense universitária, 2019.

    HORAK, Jan-Christopher (org.). Lovers of cinema: The first American film avant-garde 1919-1945. Madison: The University of Wisconsin Press, 1995.

    OBRIST, Hans Ulrich. Uma breve história da curadoria. São Paulo: BEI, 2010.

    STRATHAUS, Stefanie Schulte. What has happened to this film? In: ARSENAL (org.). Living Archive: Archive Work as a Contemporary Artistic and Curatorial practice. Berlim: B_books, 2013. pp. 9-31.

    ZANINI, Walter. A Videoarte no Brasil. In: JESUS, Eduardo de (org.). Walter Zanini: Vanguardas, desmaterialização, tecnologias na arte. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018. pp. 241-272.