Ficha do Proponente
Proponente
- Andrea França Martins (PUC-Rio)
Minicurrículo
- Professora Associada e pesquisadora do Departamento de Comunicação da PUC-Rio. Doutora em Comunicação pela ECO\UFRJ com pós-doutorado na Universidade de Reading (UK)
Ficha do Trabalho
Título
- O cachorro, a casa e o quintal: diante da fotografia de vilas militares no Brasil
Seminário
- Arquivo e contra-arquivo: práticas, métodos e análises de imagens
Resumo
- No processo de pesquisa para a realização de Dálmata (2024), me deparo com fotografias de vilas militares no sul do Brasil nos anos 1970, pertencentes ao Cpdoc/FGV. Há motivos visuais que se repetem e isso chama a atenção. Decido revisitar os álbuns de família com fotos da infância vivida em vila militar. Percebo que a vila revela aspectos pouco conhecidos da história da cultura militar no Brasil. Essa proposta investiga possibilidades de arranjos inventivos no âmbito da pesquisa acadêmica.
Resumo expandido
- No processo de pesquisa para a realização do curta Dálmata (2024), me deparo com fotografias de vilas militares no sul do Brasil nos anos 1970 guardadas no acervo do Cpdoc da Fundação Getúlio Vargas. Há motivos visuais que se repetem e isso chama a atenção: as casas similares e dispostas regularmente pelas ruas, os espaços amplos do entorno, a garagem para o carro, o descampado. Decido revisitar os álbuns de família com fotografias da vila militar onde morei na infância. Das vilas despovoadas do arquivo do Cpdoc, rastros de vidas ausentes da imagem, passo para as vilas habitadas e singularizadas do arquivo familiar. Percebo pela primeira vez que a vila militar revela aspectos pouco conhecidos da história da cultura militar no Brasil. Dálmata, o curta, foi feito a partir do arquivo de imagens do ex-presidente militar Ernesto Geisel (1974–1979), pertencente ao acervo do CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (FGV). Trata-se de um material doado pela filha de Geisel, Amália Lucy, para a instituição. São imagens “não oficiais” de cerimônias de poder, viagens, festas e visitas oficiais do ex-presidente da ditadura. Imagens que oscilam entre o público e o privado e que foram mantidas sob a guarda de Amália Lucy Geisel até a doação. Durante a visada desse material para a realização do curta, encontro fotografias que funcionam como espécie de gatilho que remete a certa experiência da infância vivida em vila militar.
Essa proposta de comunicação investiga possibilidades de arranjos inventivos no âmbito da pesquisa acadêmica, utilizando um formato em que a experiência de quem escreve tem destaque. Dialoga com as inquietações (Didi-Huberman, 2016) que as fotografias provocam assim como atesta seu caráter impermanente – no caso, entre a lembrança da infância idílica e a percepção da infância vigiada (Benjamin, 2013). Investiga o lugar ocupado pela autorreflexividade, pelos afetos e pela autobiografia, no que concerne ao lugar da produção de conhecimento no domínio dos estudos de cinema, da imagem e do audiovisual. Como reinventar métodos de pesquisa e de escrita sem perder de vista o modo de construção de seus problemas?
As fotografias de vilas militares nos anos 1970, pertencentes ao arquivo do Cpdoc, nos tornam inteligível as ideias de segurança, vigilância, ordem e estabilidade. Ao avaliá-las, porém, junto à visada mais geral do material investigado para a feitura do curta, percebo que tais fotografias tornam sensível certa vivência da idealizada “Família militar” (Silva, 2013) e é isso que será explorado nessa comunicação. Olhar para esse conjunto de imagens da vila é, nos termos do filósofo Henri Bergson, uma operação em que a “memória fortalece e enriquece a percepção, a qual, por sua vez, atrai para si um número crescente de lembranças complementares” (1999: 111). Olhar para essas imagens é ver o quintal para o churrasco e a prática do esporte, os cães latindo pela casa, o quartel ao lado da vila, as esposas e mães dedicadas à família, o campo de futebol.
O que nessas fotografias pacatas e sossegadas inquietam? De que modo o presente ressurge como problema a partir do que tais imagens, de tranquilidade e harmonia, nos apresentam? O que essas fotografias (públicas, institucionais e familiares) de vilas militares pelo Brasil, sobretudo na década de 1970, para além do que nos torna inteligível, nos torna sensível?
Bibliografia
- BENJAMIN, Walter. Rua de mão única. Infancia berlinense: 1900. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2013.
BERGSON, Henri. Matéria e memória São Paulo: Martins Fontes, 1999.
CASTRO, Celso (org.) A família militar no Brasil. Rio de Janeiro: FGV editora, 2018.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e Poder – cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: editora UFMG, 2009.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Que emoção! Que emoção? São Paulo: Editora 34, 2016.
FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: editora Edusp, 2009.
FRANÇA; Andréa. Amália Lucy e o dálmata: diante do arquivo da família Geisel. Revista Estudos Históricos v. 38 n. 84: História das Mulheres, jan\abr, 2025.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: editora Contexto, 2019.
SILVA, Cristina Rodrigues. “Famílias de militares: explorando a casa e a caserna no Exército brasileiro”, in: Revista Estudos Feministas, Florianópolis 21 (2013).