Ficha do Proponente
Proponente
- Beatriz Avila Vasconcelos (Unespar)
Minicurrículo
- Professora Adjunta do Bacharelado em Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV) da Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Pesquisa sobre funcionamentos da linguagem no cinema, com foco nas conexões entre cinema, atenção e linguagem poética, com especial interesse por cinemas experimentais e contemplativos. É membro do Grupo de Pesquisa em Arte, Cultura e Subjetividades (GPACS-CNPq/Unespar). E-mail: beatriz.vasconcelos@unespar.edu.br
Ficha do Trabalho
Título
- “No idolatry”: a distância espacial como posição poético-ética em No Home Movie, de Chantal Akerman
Seminário
- Cinema e Espaço
Resumo
- Neste estudo analiso o filme No Home Movie (2015), da cineasta belga Chantal Akerman, especialmente sob a perspectiva da distância espacial como elemento central de sua poética e ética. A análise se concentra na noção de que Akerman, em No Home Movie, estabelece para o olhar uma distância espacial do objeto que não é apenas física, mas também uma postura ética de não intrusão e respeito pelo mistério do Outro e de recusa à imagem idolátrica.
Resumo expandido
- Um cinema de olhar, é como Chantal Akerman define seu próprio cinema em uma de suas entrevistas: “as pessoas, elas não estão acostumadas… Elas estão acostumadas a uma estória, e a seguir uma estória, mas de modo algum a olhar o frame visual. Nos meus filmes, ou você olha ou você deixa!” (C. Akermann 1976). Isto é, Akermann propõe um cinema que nos faz voltar para a materialidade da imagem, neste sentido, alinhando-se com o que Viktor Schklovski (1994/1927) considerou como cinema poético, isto é, como um cinema que se volta para forma e para a própria linguagem. Essa investigação da linguagem, essa busca formal que atinge talvez seu ápice estético em Jeanne Dielman…, atinge seu ápice existencial em seu último filme, No Home Movie, composto de momentos de convivência da cineasta com a mãe em seu último ano de vida, e que antecede igualmente o próprio suicídio de Akerman, alguns meses após a morte da mãe. Na presente comunicação meu objetivo é cotejar declarações verbais de Chantal Akerman com soluções formais dadas pela cineasta em No Home Movie, buscando mostrar como a atenção poética, fenomenológica proposta por Akerman se manifesta na forma como a cineasta filma e organiza o espaço, convidando o espectador a um olhar mais contemplativo e menos intrusivo. Meu esforço analítico sobre este filme se faz com duas motivações: 1) compreender o cinema de Akerman como um cinema de atenção poética, voltado para a contemplação fenomenológica da imagem; e 2) compreender como este regime de atenção se sustenta sob bases éticas formuladas pela própria cineasta, especialmente sobre a recusa da cineasta à relação de idolatria com a imagem e como distância espacial do objeto é essencial para isto. Chantal está ciente da importância da posição do olhar para a imagem – como me aproximo do outro? Como não “raptar” o olhar do espectador, incorporando-o ao olhar do cineasta ou do personagem? Ou, para colocar a questão formal dentro de um quadro ético: como ver a face do outro sem mata-lo?, questão cara ao filósofo Emmanuel Levinas (1980), frequentemente citado por Akerman, para o qual não é possível uma real relação de alteridade com o outro sem que seja mantida uma dimensão de impenetrabilidade: não irromper, não invadir, mas manter distância, resguardar o mistério da real alteridade, em suma, resguardar o espaço “entre”. Este princípio ético se alinha à recusa de Akerman pela imagem idolátrica, na qual, segundo a cineasta, “o espectador se vê anulado na imagem, mas que possa existir como pessoa, que seja um rosto diante de outro rosto” (1976), o que se materializa formalmente em No Home Movie, entre outros recursos, por exemplo, pelo posicionamento da câmera e por enquadramentos que deixam o espectador de fora da cena, num espaço à parte, entrevendo, sem invadir a intimidade. Assim, a atenção poética para a imagem em Akerman se faz não como um mero formalismo, mas como uma proposta ético-estética de manter-se de fora, à distância, de não se impor, para verdadeiramente poder estar com o outro, resguardado em sua alteridade e impenetrabilidade, e a espacialidade prevista para o espectador é essencial para isto. Sim, com Akerman estamos diante de um cinema de olhar, um olhar, porém, não escrutinador, mas poeticamente atentivo e capaz de resguardar a distância e o mistério que a relação com o Outro requer. Cinema poético e ético, a uma só vez, capaz de nos fazer contemplar o brilho do real e a verdadeira alteridade que se dá na distância, e na dor, mantidas entre o olhar e o fenômeno.
Bibliografia
- AKERMAN, Chantal. Chantal Akerman interviewed by Wade Novy at Pacific Film Archive, Berkley, California, December 01, 1976.
AKERMAN, Chantal. “No idolatry and loosing everything that made you a Slave”. Mousse Magazine, n. 31, nov-dez2011. Entrevista por Elisabeth Lebovici, reimpressa em parte em Bax, Dominique & Béghin, Cyril (eds.). Chantal Akerman: Bande(s) à part. Bobigny, Ciné-festivals/Magic Cinema, 2014.
LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Tradução de José Pinto Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1980.
MARGULIES, Ivone. “Elemental Akerman: Inside and Outside No Home Movie.” Film Quarterly 70.1 (2016): 61-69.
SHKLOVSKI, V. “Poetry and Prose in the Cinema.” In The Film Factory: Russian and Soviet Cinema in Documents, editado por Richard Taylor e Ian Christie. Londres: Routledge, 1994 (1.ª ed. 1927).